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Bombeiros espremem-se em frestas em busca de corpos
Laje do segundo andar do prédio caiu sobre a do primeiro; vão entre as duas é de 60 cm
Peso carregado pelo soldado pode atingir os 30 quilos por causa de tubo de oxigênio, lanterna, proteção térmica, bota, capacete e ferramenta
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Os 60 bombeiros que ontem
à tarde trabalhavam no resgate
dos corpos das vítimas do vôo
3054 da TAM enfrentaram a
sua mais dura prova de coragem desde o acidente. É que,
em decorrência do impacto do
avião com o prédio da TAM Express, a laje do segundo andar
caiu sobre a do primeiro. Entre
as duas sobrou apenas um vão
claustrofóbico de 60 centímetros. Era por essa fresta, sob risco de desabamento total da estrutura (como aliás já aconteceu na parte de trás do prédio),
que os bombeiros tinham de se
esgueirar para procurar corpos.
O trabalho, segundo o capitão Mauro Lopes, precisava ser
feito com mais cautela, mais
precisão e lentidão.
Cerca de 40 horas depois do
acidente, ainda havia focos isolados de incêndio no prédio da
TAM, a fumaça preta ainda dominava o local e, dentro do sanduíche de lajes, a temperatura
passava de 60C.
Os bombeiros só conseguiam
entrar no local graças a um tubo de 40 centímetros de diâmetro, flexível e comprido, que era
introduzido primeiramente na
fresta entre as lajes. Conectada
a um exaustor, a lagarta preta
aspirava o ar quente e a fumaça,
lançando-os para fora do prédio. Em seguida, os bombeiros
entravam rastejando.
Nas costas de cada soldado,
um tubo amarelo de oxigênio
pesando oito quilos. Some-se
máscara de ar, lanterna, capa,
proteção térmica, luvas, botas,
capacete e ferramentas, como
alicates de 70 centímetros de
comprimento, e o peso carregado pelo bombeiro pode atingir
os 30 quilos. Dificulta a mobilidade. Fica mais difícil ainda
porque o espaço exíguo está lotado de entulho, de fragmentos
do avião e de móveis amassados
pelo desabamento da laje.
No segundo andar do edifício
principal da TAM Express, por
exemplo, encontrou-se ontem
parte de uma turbina do avião.
Outras peças -totalmente deformadas- eram retiradas e
depositadas defronte ao posto
de gasolina vizinho ao prédio.
Os bombeiros trabalham em
equipe para avançar por dentro
do prédio. Tubos de oxigênio
passam de mão em mão, subindo até as lajes, para substituir
outros, vencidos. Sem esse tubo, o bombeiro intoxica-se com
a fumaça e ainda corre o risco
de queimaduras -sempre graves- das vias aéreas.
Também passa de mão em
mão o gerador elétrico que alimenta o exaustor. Outra turma
mantém o jorro constante de
água sobre a construção, a fim
de resfriá-la. Outra, ainda, opera maquinário semelhante a
uma retroescavadeira, com um
alicate hidráulico na ponta,
usado para cortar pedaços de
laje. Por fim, para zerar as
chances de o combustível no
posto explodir, uma última
equipe dedica-se a retirar 105
mil litros de gasolina dos tanques ameaçados.
Não há gritos de comando,
cada homem parece saber exatamente o que fazer. Os oficiais
usam capacetes brancos, os
praças, pretos. Às 17h30, três
sacos cadavéricos começam a
subir para a fresta das lajes.
Mais corpos, é certo. Quinze
minutos depois, dois sacos descem -são levados para carros
do Instituto Médico Legal estacionados logo ao lado. O conteúdo de cada saco é diminuto,
mas ninguém comenta. Estão
todos em silêncio.
A todo momento, homens
extenuados, corpos imundos,
cobertos de fuligem, suando
muito, saem do prédio. Eles retiram as máscaras, depositam o
tubo de oxigênio e as ferramentas usadas em um cercadinho
onde, por volta das 18h, já estão
depositados pelo menos 30 outros tubos vazios. E vão em busca de água mineral.
É sempre o mesmo gesto. Os
homens abrem dois copinhos.
Um eles bebem. O outro, jogam
na cabeça -para, literalmente,
esfriá-la. (Durante a tarde de
ontem a equipe retirou apenas
oito corpos. Estima-se que haja
mais oito para ser resgatados. O
prefeito Gilberto Kassab disse
que, no fim de semana, todo o
prédio será demolido.)
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