São Paulo, sexta-feira, 20 de julho de 2007

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Bombeiros espremem-se em frestas em busca de corpos

Laje do segundo andar do prédio caiu sobre a do primeiro; vão entre as duas é de 60 cm

Peso carregado pelo soldado pode atingir os 30 quilos por causa de tubo de oxigênio, lanterna, proteção térmica, bota, capacete e ferramenta

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Os 60 bombeiros que ontem à tarde trabalhavam no resgate dos corpos das vítimas do vôo 3054 da TAM enfrentaram a sua mais dura prova de coragem desde o acidente. É que, em decorrência do impacto do avião com o prédio da TAM Express, a laje do segundo andar caiu sobre a do primeiro. Entre as duas sobrou apenas um vão claustrofóbico de 60 centímetros. Era por essa fresta, sob risco de desabamento total da estrutura (como aliás já aconteceu na parte de trás do prédio), que os bombeiros tinham de se esgueirar para procurar corpos.
O trabalho, segundo o capitão Mauro Lopes, precisava ser feito com mais cautela, mais precisão e lentidão.
Cerca de 40 horas depois do acidente, ainda havia focos isolados de incêndio no prédio da TAM, a fumaça preta ainda dominava o local e, dentro do sanduíche de lajes, a temperatura passava de 60C.
Os bombeiros só conseguiam entrar no local graças a um tubo de 40 centímetros de diâmetro, flexível e comprido, que era introduzido primeiramente na fresta entre as lajes. Conectada a um exaustor, a lagarta preta aspirava o ar quente e a fumaça, lançando-os para fora do prédio. Em seguida, os bombeiros entravam rastejando.
Nas costas de cada soldado, um tubo amarelo de oxigênio pesando oito quilos. Some-se máscara de ar, lanterna, capa, proteção térmica, luvas, botas, capacete e ferramentas, como alicates de 70 centímetros de comprimento, e o peso carregado pelo bombeiro pode atingir os 30 quilos. Dificulta a mobilidade. Fica mais difícil ainda porque o espaço exíguo está lotado de entulho, de fragmentos do avião e de móveis amassados pelo desabamento da laje.
No segundo andar do edifício principal da TAM Express, por exemplo, encontrou-se ontem parte de uma turbina do avião. Outras peças -totalmente deformadas- eram retiradas e depositadas defronte ao posto de gasolina vizinho ao prédio.
Os bombeiros trabalham em equipe para avançar por dentro do prédio. Tubos de oxigênio passam de mão em mão, subindo até as lajes, para substituir outros, vencidos. Sem esse tubo, o bombeiro intoxica-se com a fumaça e ainda corre o risco de queimaduras -sempre graves- das vias aéreas.
Também passa de mão em mão o gerador elétrico que alimenta o exaustor. Outra turma mantém o jorro constante de água sobre a construção, a fim de resfriá-la. Outra, ainda, opera maquinário semelhante a uma retroescavadeira, com um alicate hidráulico na ponta, usado para cortar pedaços de laje. Por fim, para zerar as chances de o combustível no posto explodir, uma última equipe dedica-se a retirar 105 mil litros de gasolina dos tanques ameaçados.
Não há gritos de comando, cada homem parece saber exatamente o que fazer. Os oficiais usam capacetes brancos, os praças, pretos. Às 17h30, três sacos cadavéricos começam a subir para a fresta das lajes. Mais corpos, é certo. Quinze minutos depois, dois sacos descem -são levados para carros do Instituto Médico Legal estacionados logo ao lado. O conteúdo de cada saco é diminuto, mas ninguém comenta. Estão todos em silêncio.
A todo momento, homens extenuados, corpos imundos, cobertos de fuligem, suando muito, saem do prédio. Eles retiram as máscaras, depositam o tubo de oxigênio e as ferramentas usadas em um cercadinho onde, por volta das 18h, já estão depositados pelo menos 30 outros tubos vazios. E vão em busca de água mineral.
É sempre o mesmo gesto. Os homens abrem dois copinhos. Um eles bebem. O outro, jogam na cabeça -para, literalmente, esfriá-la. (Durante a tarde de ontem a equipe retirou apenas oito corpos. Estima-se que haja mais oito para ser resgatados. O prefeito Gilberto Kassab disse que, no fim de semana, todo o prédio será demolido.)


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