São Paulo, sexta-feira, 20 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RETRATO DE SP

Regiões com os indicadores sociais mais precários são as que têm o maior percentual de moradores com até 15 anos

Jovens se concentram nas piores áreas de SP

MARIANA VIVEIROS
FERNANDA MENA
CÍNTIA CARDOSO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Aqui parece que tem uma nuvem preta em cima. Nada vai pra frente." É assim que Maxwell Gonçalves Maia, 19, se refere ao seu bairro: Cidade Tiradentes, no extremo da zona leste de São Paulo. "Se a coisa continuar como está, só consigo ver dois destinos para os jovens daqui: a morte ou a cadeia. Isso é o fim do mundo."
A desesperança tem uma explicação. A periferia paulistana, onde se verificam os piores indicadores socioeconômicos, os maiores índices de exclusão e violência e os recordes em crescimento populacional da cidade, concentra também as regiões com maior percentual de crianças e jovens menores de 15 anos, cujo futuro, diante da realidade em que vivem, lhes parece nada promissor.
O retrato da falta de perspectiva está nas informações do banco de dados Município de São Paulo, elaborado pela Fundação Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados) e disponível desde ontem em seu site na internet (www.seade.gov.br).
Pela primeira vez, as estatísticas (de anos diferentes, no período entre 2000 e 2004), foram destrinchadas por subprefeitura, de forma a fornecer um raio-X da capital que possa ajudar na efetiva implementação de programas e políticas públicas, diz Cecília Comegno, coordenadora do trabalho.
A conjugação de mais jovens e piores expectativas é, segundo especialistas, um grande fator de risco. "A falta de um projeto de vida está muito relacionada à opção pelo imediatismo da violência e da criminalidade", resume Luciana Guimarães, diretora de projetos do Instituto Sou da Paz.
Não é à toa que Maxwell Maia afirma: "O único cara que eu conheço que se deu bem na vida conseguiu isso roubando".

Limites
Parelheiros (extremo sul), Cidade Tiradentes, Guaianazes (extremo leste), Perus (extremo norte) e Itaim Paulista (extremo leste) são, em ordem decrescente, as subprefeituras que mais têm crianças e jovens na cidade: 33,4%, 32,6%, 31,7%, 30,9% e 30,4% da população residente respectivamente.
Juntas, elas reúnem uma população jovem que é o dobro da encontrada nas cinco subprefeituras que têm as menores frações de crianças e jovens, mas estão no topo do ranking em qualidade de vida, como Pinheiros (zona oeste) e Vila Mariana (zona sul). Estão todas também acima da média municipal -24,4% dos paulistanos têm menos de 15 anos.
A concentração de crianças e jovens nas periferias pode ser explicada pelas maiores taxas de fecundidade e maior percentagem de mães com menos de 20 anos nesses locais, dizem especialistas.
E, se tomados como base os dados de hoje, quem vive nas cinco subprefeituras "mais jovens" tem poucas perspectivas de sucesso no mercado de trabalho. Nessas regiões, a média de anos de estudo não chega a sete (menos que o ensino fundamental completo), e os empregados formais não chegam a 1% do total da cidade.
Sem estudo suficiente, cultura e lazer seriam instrumentos valiosos de instrução e ocupação. Acontece que essas subprefeituras estão entre as que têm menos de dez equipamentos culturais, sendo que em Parelheiros e Cidade Tiradentes, até 2002, nem sequer havia um cinema, um centro cultural ou uma biblioteca (o segundo bairro agora sedia, ao menos, um Centro Educacional Unificado, da prefeitura).
Tudo isso ajuda a explicar por que os jovens da periferia também têm chances reduzidas de encontrar um emprego. As estatísticas de mercado de trabalho para o extremo leste, por exemplo, mostram uma taxa de desemprego de 23,5%, praticamente o dobro da taxa para o centro, que ficou em 12,4% em 2003.
O quadro se agrava ainda mais com a explosão de violência que acomete esses bairros. O risco de um jovem morador da subprefeitura de M'Boi Mirim morrer assassinado é 19 vezes maior do que para os que vivem em Pinheiros.

Sem futuro
Maia é um exemplo típico do jovem desses bairros desassistidos: parou de estudar na sexta série do ensino fundamental e já cansou de contar os amigos que sucumbiram ao crime ou que morreram assassinados. Está desempregado e não encontra atividades de cultura e lazer na sua região para ocupar o tempo e aprender algo. "Fico aí à toa, parado nessa praça cheia de lixo o dia inteiro."
Leandro Sampaio, 22, que também vive na região, afirma que ser jovem em Cidade Tiradentes é "difícil e desafiante, especialmente na busca de emprego". Além da falta de oportunidades de desenvolvimento, esses jovens ainda têm de lidar com a discriminação geográfica de seus bairros.
"Já aprendi que tenho de colocar no meu currículo um endereço de Guaianazes. Se digo que moro aqui, já sou descartado de cara. A desculpa é que o bairro é muito longe de tudo e a condução ficaria cara", conta o rapaz.
A Subprefeitura de Parelheiros realmente não tem nenhuma biblioteca nem equipamento cultural. O CEU (Centro Educacional Unificado) previsto ainda não foi construído. Há só seis equipes do Programa de Saúde da Família.
Embora tenha a única área de proteção ambiental municipal da cidade, a região costuma ganhar as páginas dos jornais pela desova de cadáveres ou localização de cativeiros. Mas já foi pior, diz Carlos Henrique Pereira, o subprefeito.
"Há muito o que fazer, mas ninguém fez tanto." Em 18 meses de gestão, ele afirma ter duplicado o número de crianças e jovens nas escolas municipais (de 6.000 para 13 mil) e colocado 1.200 postes em um distrito da região. Planeja ter investido até o fim do ano R$ 82 milhões e inaugurado a primeira casa de cultura da região (ainda que fossem previstas três).
Pereira diz que a subprefeitura foi esquecida pelo poder público por muito tempo, em parte pela distância do centro. "Nossas prioridades são educação, entretenimento, cultura e saúde."


Texto Anterior: Rendimento dos trabalhadores encolhe
Próximo Texto: Contrastes urbanos: "Foi um choque ir dos Jardins ao Grajaú"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.