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DANUZA LEÃO
Que falta faz um pai
UM DIA ela foi parar numa clínica para fazer uma cirurgia
banal; tão banal que não comunicou à família nem às amigas
-até para ter um pouco de sossego.
E como não era nada de importância, ia entrar de manhã e sair no dia
seguinte.
Mas os hospitais e clínicas têm
uma idéia fixa: se o paciente morrer,
quem vai pagar a conta? Apesar de
se deixar na recepção um cheque
que ultrapassa milhares de vezes o
que poderá ser a despesa -cheque
que vai ser devolvido na hora da saída etc. etc.-, eles pensam sempre no
pior: mesmo que se esteja lá para tirar uma verruga, pode acontecer um
acidente e o paciente ir parar na UTI
-daí porque, na hora de assinar a ficha, está aquele quadradinho para
ser preenchido com o nome do responsável. E aí você se dá conta da
verdade cruel: ninguém é responsável por você -só você mesma.
Que momento difícil; a cabeça volta no tempo e lembra de quando tinha um pai, um marido ou um irmão
mais velho que assinava esses papéis
e se responsabilizava pelo que acontecesse. E mais: se a pressão baixasse, se a febre subisse, se fosse necessário uma enfermeira para passar a
noite no quarto, era com eles que os
médicos falavam, e eles tomariam as
decisões.
Mas quando você é responsável
por você mesma, surgindo algum
problema, com quem vão falar? E
você, que sempre se recusou a fazer
um simples exame de sangue na vida
-check-up, nem pensar-, pode tomar conhecimento de coisas horrendas que preferia morrer sem saber, vai ter -sozinha- que medir os
riscos e tomar as decisões. Ah, isso é
duro.
É bem verdade que os médicos,
por mais competentes que sejam,
não podem resolver tudo, como se
fossem da família; mas será que hospitais e planos de saúde não poderiam ter à disposição do doente
-por uma módica quantia, é claro-
um senhor sensato, equilibrado, calmo e com olhar bondoso, para cumprir esse papel na hora do sufoco?
Esse senhor -calmo, de cabelos
brancos e olhos claros- diria sempre que está tudo correndo muito
bem, que você está melhorando a
olhos vistos e que não há razão para
preocupações. Passaria a mão nos
seus cabelos, chamaria você de filha
e ficaria à noite no quarto até você
dormir. No dia seguinte, viria de manhã pelo menos por uns minutos
-afinal, ele precisa trabalhar; mas
telefonaria uma ou duas vezes durante o dia e voltaria no final da tarde, trazendo uma revista, frutas e sobretudo muito carinho.
Os médicos poderiam fazer a gentileza de dopar um pouquinho a paciente que, com o quarto em penumbra, acreditaria piamente que
aquele é seu pai, que está ali para lhe
dar todo o carinho do mundo; e nos
momentos mais difíceis ele estaria
sempre presente, apertando com
força sua mão e fazendo com que você pense que nada de ruim vai acontecer, porque ele não vai deixar. E
você vai acreditar, porque é isso que
qualquer doente deseja: acreditar na
cura, e não saber da verdade, como
inventaram os médicos americanos.
Ah, essa história de dizer a verdade
ao doente deveria ser proibida por
lei.
Como a vida é estranha: a gente vive querendo ser dona do próprio nariz, mas, na hora do aperto, o que se
quer é um pai, olhando firme dentro
dos nossos olhos e dizendo que não é
nada, que tudo vai dar certo, que você pode acreditar nele.
Ah, esse pai -que falta ele faz.
danuza.leao@uol.com.br
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