São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

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DANUZA LEÃO
Que falta faz um pai

UM DIA ela foi parar numa clínica para fazer uma cirurgia banal; tão banal que não comunicou à família nem às amigas -até para ter um pouco de sossego. E como não era nada de importância, ia entrar de manhã e sair no dia seguinte.
Mas os hospitais e clínicas têm uma idéia fixa: se o paciente morrer, quem vai pagar a conta? Apesar de se deixar na recepção um cheque que ultrapassa milhares de vezes o que poderá ser a despesa -cheque que vai ser devolvido na hora da saída etc. etc.-, eles pensam sempre no pior: mesmo que se esteja lá para tirar uma verruga, pode acontecer um acidente e o paciente ir parar na UTI -daí porque, na hora de assinar a ficha, está aquele quadradinho para ser preenchido com o nome do responsável. E aí você se dá conta da verdade cruel: ninguém é responsável por você -só você mesma.
Que momento difícil; a cabeça volta no tempo e lembra de quando tinha um pai, um marido ou um irmão mais velho que assinava esses papéis e se responsabilizava pelo que acontecesse. E mais: se a pressão baixasse, se a febre subisse, se fosse necessário uma enfermeira para passar a noite no quarto, era com eles que os médicos falavam, e eles tomariam as decisões.
Mas quando você é responsável por você mesma, surgindo algum problema, com quem vão falar? E você, que sempre se recusou a fazer um simples exame de sangue na vida -check-up, nem pensar-, pode tomar conhecimento de coisas horrendas que preferia morrer sem saber, vai ter -sozinha- que medir os riscos e tomar as decisões. Ah, isso é duro.
É bem verdade que os médicos, por mais competentes que sejam, não podem resolver tudo, como se fossem da família; mas será que hospitais e planos de saúde não poderiam ter à disposição do doente -por uma módica quantia, é claro- um senhor sensato, equilibrado, calmo e com olhar bondoso, para cumprir esse papel na hora do sufoco?
Esse senhor -calmo, de cabelos brancos e olhos claros- diria sempre que está tudo correndo muito bem, que você está melhorando a olhos vistos e que não há razão para preocupações. Passaria a mão nos seus cabelos, chamaria você de filha e ficaria à noite no quarto até você dormir. No dia seguinte, viria de manhã pelo menos por uns minutos -afinal, ele precisa trabalhar; mas telefonaria uma ou duas vezes durante o dia e voltaria no final da tarde, trazendo uma revista, frutas e sobretudo muito carinho.
Os médicos poderiam fazer a gentileza de dopar um pouquinho a paciente que, com o quarto em penumbra, acreditaria piamente que aquele é seu pai, que está ali para lhe dar todo o carinho do mundo; e nos momentos mais difíceis ele estaria sempre presente, apertando com força sua mão e fazendo com que você pense que nada de ruim vai acontecer, porque ele não vai deixar. E você vai acreditar, porque é isso que qualquer doente deseja: acreditar na cura, e não saber da verdade, como inventaram os médicos americanos. Ah, essa história de dizer a verdade ao doente deveria ser proibida por lei.
Como a vida é estranha: a gente vive querendo ser dona do próprio nariz, mas, na hora do aperto, o que se quer é um pai, olhando firme dentro dos nossos olhos e dizendo que não é nada, que tudo vai dar certo, que você pode acreditar nele. Ah, esse pai -que falta ele faz.

danuza.leao@uol.com.br


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