São Paulo, segunda-feira, 20 de setembro de 2004

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EDUCAÇÃO

Ao divulgar a criação de 200 mil lugares, prefeitura contabiliza unidades que não foram abertas e omite dados do MEC

Marta infla número de vagas em escolas

FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL

Em campanha pela reeleição, a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy (PT), inflou dados de sua administração ao afirmar que criou 200 mil vagas nas escolas municipais. O número consta de artigo publicado na Folha e é repetido há meses, em entrevistas, pela prefeita e seus assessores.
Para chegar a esse número, a administração inclui vagas que, na prática, não foram criadas e desconsidera dados que repassou ao MEC (Ministério da Educação) em 2000 e 2001. Por fim, técnicos falam de realizações que teriam sido concluídas nos três primeiros meses de 2001 e que o próprio ex-secretário petista que comandava a pasta na época contesta.
A prefeitura nega que tenha inflado dados. Diz que faz sua parte oferecendo vagas à população. "Se as pessoas não procuram [as vagas] por "ene" motivos, a responsabilidade não é nossa", diz a secretária municipal da Educação, Maria Aparecida Perez.
Para conferir as contas, a Folha usou documentos oficiais da própria SME (Secretaria Municipal da Educação), do MEC e trechos do "Diário Oficial". Visitou ainda creches conveniadas (hoje dentro dos centros de educação infantil).

1) Só no papel
No primeiro dos três encontros que a Folha teve na SME, no início de agosto, técnicos da prefeitura apresentaram lista com os nomes de 60 creches que estariam oferecendo mais 11.370 vagas.
Por esse documento, foram abertas recentemente 60 vagas em três unidades da Caritas Diocesana, em Campo Limpo, na zona sul. A realidade é outra: "Pedimos há quatro meses a abertura de novas vagas, mas até agora não recebemos resposta", diz Celeste Aparecida Bueno Cardoso, coordenadora de projetos da entidade.
Jhenifer Ágata Santos, dois anos e cinco meses, tem a senha 197 da fila de espera por uma vaga na creche Walther Sommerlath, mantida pela Caritas no Capão Redondo. Na prática, há outras 600 crianças na sua frente. Talvez ingressasse em 2006, depois de completar quatro anos, calcula a diretora Maria José Ramos.
A mãe de Jhenifer, Renata Santos, desempregada, procura na região uma vaga para sua filha. "Estou na fila em cinco creches."
A Searas Lar Meimei, em Santo Amaro, é outra creche conveniada que está ampliando as contas da prefeitura. No papel, ganhou 120 vagas. Na prática, reduziu o número de crianças (de 130 para 90) e continua com fila de espera.
Valmir Aquilino de Freitas, assessor técnico da SME que fez o levantamento, diz que as 11.370 novas vagas são uma estimativa. "Foi um chute mesmo."

2) Paternidade das vagas
Outro artifício da prefeitura para engordar o saldo final é ignorar 22.259 alunos do Ceme, programa de alfabetização de adultos criado na gestão de Celso Pitta (hoje no PSL) e que continuou no início da atual administração.
Para o censo do MEC de 2001, Marta informou que havia 131.221 estudantes de supletivo em São Paulo, incluindo os alunos do Ceme. Para atingir os 200 mil de suas contas, no entanto, ela não computou os estudantes do Ceme em 2000, no fim da gestão Pitta. Com a redução das matrículas em 2000 e 2001, o número de vagas abertas na atual administração sobe.
A prefeitura alega agora que desconsiderou o número porque a maior parte do curso era semi-presencial. "Não tínhamos como conferir a presença dos alunos", diz Perez. Hoje, alega a secretária, há um programa que o substituiu, o Cieja. Segundo ela, por exigir a presença física do aluno durante o curso, as vagas são contabilizadas.
A prefeitura usa ainda dados que colidem com informações do ex-secretário Fernando José de Almeida, titular da pasta da Educação no início da gestão Marta.
A administração municipal diz que em três meses de governo, entre janeiro e março de 2001, foi possível oferecer 83.511 vagas a mais: 24.006 nas "escolas de latinha" deixadas por Pitta, 49.657 por meio da ampliação do terceiro turno e outras 9.848 com o uso de salas desativadas de creches.
Consultado pela Folha, Almeida disse, em entrevista gravada, que foram abertas "cerca de 30 mil vagas no início da gestão, principalmente com a racionalização do uso de salas de aula".
Pelos dados repassados pela secretaria, entre dezembro de 2000 e o mês passado houve acréscimo de 187.840 matrículas na rede municipal. Já em vagas o aumento teria sido de 201.494 unidades.
Nos documentos da SME há diferença de 73.529 unidades entre as vagas ofertadas pela administração Marta e as matrículas feitas até o mês passado. Essa suposta demanda excedente é fato normal na rede de ensino, explica Perez, já que nem todas as classes estão com lotação completa. A secretaria admite déficit de 17 mil vagas.


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