São Paulo, sexta-feira, 20 de outubro de 2006

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Reforma em capela acha passado colonial

Escavações feitas em templo religioso mais antigo de São Paulo revelam como jesuítas e indígenas viviam na região

Trabalho deve acabar na sexta-feira; arqueóloga considera São Miguel Paulista o sítio arqueológico mais importante da cidade

FELIPE BÄCHTOLD
RENATA SUMMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O templo religioso mais antigo da cidade de São Paulo está sendo restaurado. A capela São Miguel Arcanjo, construída em 1622 no bairro de São Miguel Paulista e única capela original do período jesuíta no município, deve ficar pronta no início do próximo ano.
Mas é embaixo da capela que alguns dos maiores tesouros da região podem estar escondidos. Essa é a opinião da arqueóloga Lúcia Juliani, contratada para fazer prospecções (escavações) no interior da igreja. O objetivo é fornecer informações sobre as modificações sofridas pelo edifício ao longo de seus quase quatro séculos.
Porém Juliani considera que as descobertas imprevistas que vem fazendo dentro e fora da igreja, desde setembro, são as que contêm maior interesse histórico. "A capela de São Miguel Arcanjo é o sítio arqueológico mais importante da cidade de São Paulo. Não temos mais o Pátio do Colégio original. Lá, a igreja é uma réplica", conta.
Por meio dessas escavações, os arqueólogos que trabalham no local pretendem obter mais detalhes sobre os índios que lá moravam no século 17.
Existem vestígios de que a capela São Miguel Arcanjo esteja construída em cima de uma igreja ainda mais antiga, fundada pelo padre Anchieta em 1560, o que enriquece ainda mais o trabalho. Nas escavações, Juliani e sua equipe já encontraram fragmentos de ossos, tecidos e dentes, o que os leva a concluir que havia um cemitério cristão no local. "Naquela época, não existia cemitério como existe hoje. As pessoas eram enterradas em volta da igreja, ou dentro dela, dependendo do papel desempenhado na sociedade", explica a historiadora Roseli Santaella Stella, da Associação Cultural Beato José de Anchieta, responsável pelo pedido de restauração da capela.
Com esse material é possível descobrir, por meio de análises, quando a pessoa morreu, o DNA, se ela sofria de doenças crônicas e até do que era composta a alimentação dela. Segundo Rafael Bartolomucci, outro arqueólogo da obra, uma análise de DNA pode revelar a origem dos corpos enterrados. "Podemos saber se era um ameríndio ou um europeu, por exemplo". No local, também foram encontrados fios de cabelos. "Com essas amostras, é possível até descobrir se eles tinham piolhos."

Cultura colonial
Além do cemitério, alguns traços da fusão da cultura indígena com a européia já foram detectados no local. Contas de colares e fragmentos de adorno são alguns dos objetos encontrados pelos pesquisadores. Eles também coletaram pedaços de cerâmica histórica, que utiliza a técnica de produção indígena, mas é produzida em formatos europeus.
"Queremos entender a cultura material dos índios, compreender como foi esse contato, e, por meio dela, buscar evidências da relação entre jesuítas e indígenas", afirma a arqueóloga.
Existe uma grande expectativa de encontrar maiores evidências sobre a identidade dos índios que moravam no local. "O hábito dos índios era enterrar seus mortos na aldeia. Com certeza deve existir restos de aldeias em volta da capela, mas não sabemos o que foi preservado", conta Juliani.
A coordenação do projeto pretende deixar um cômodo aberto da maneira que está hoje: repleto de escavações. Ele ficará aberto ao público quando a capela ficar pronta. Dessa maneira, os visitantes poderão conferir as modificações que a capela sofreu ao longo do tempo e a evolução das técnicas construtivas utilizadas.

Fim das escavações
Apesar da importância da pesquisa para entender a relação entre os índios e os jesuítas, o grupo deve encerrar suas atividades na próxima semana, porque o projeto não prevê verbas para o aprofundamento do estudo. Depois, eles pretendem buscar recursos para transformá-la em algo mais amplo, que consiga trazer revelações históricas sobre esses primeiros momentos da colonização européia em São Paulo. "Vamos pedir apoio para a Associação Cultural Beato José de Anchieta para tentarmos fazer um novo projeto e continuar a pesquisa", relata Juliani.
O projeto, que está orçado em R$ 3,1 milhões e é financiado pela Petrobrás, grupo Votorantin e Banco Itaú, por meio da Lei Rouanet, não prevê uma verba para esse tipo de pesquisa. "Fomos contratados para fazer uma prospecção arqueológica que ajudasse na restauração da capela, mas como arqueóloga vejo o interesse de buscar mais recursos para continuar essas escavações e obter o resultado científico que a gente quer", diz Juliani.


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