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"Capitão Nascimento não pouparia Zé Pequeno e Mané Galinha", diz roteirista
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Se fosse ficção, a ação de ontem do Bope teria que ser escrita pelo paulista Bráulio Mantovani, 44, roteirista de "Cidade
de Deus" (2002) e "Tropa de
Elite", filmes que retratam, sob
pontos de vista diferentes, a
violência em torno do tráfico de
drogas no Rio. Mantovani diz
que polícia repressiva nem legalização das drogas resolvem o
problema e reconhece que o capitão Nascimento não pouparia
a vida dos traficantes Mané Galinha e Zé Pequeno.
FOLHA - O Bope invadindo a Cidade de Deus é uma cena triste ou um
mal necessário?
BRÁULIO MANTOVANI - Sempre
leio com tristeza as notícias de
mortes violentas. A ação da polícia não pode ser um mal necessário. A situação violenta
em que vivemos não vai ser resolvida com uma polícia mais
dura, com mais prisões e mortes de criminosos. Imaginar
que a legalização das drogas
ajudaria a resolver o problema
é ingenuidade. Existe um apartheid social no Brasil, com ou
sem drogas legais. Acabar com
essa situação de apartheid é a
única forma de diminuir a violência e a criminalidade. Veja,
por exemplo, a polêmica em
torno do relógio do Luciano
Huck. O cara tem razão de reclamar? Tem. Mas isso é só um
lado da moeda. O Ferréz escreveu um texto contando uma
história imaginária, mas nem
por isso menos real, do cidadão
(insisto no cidadão) que roubou o relógio. Ele descreveu
uma situação em que o episódio
está, por assim dizer, historicizado. Ferréz foi além do óbvio e
provocou o pensamento. O que
as classes privilegiadas no Brasil precisam responder é o seguinte: vocês querem continuar pagando salários de fome
para empregadas domésticas,
porteiros, policiais, professores
etc? Se a resposta é sim, conformem-se em perder seus relógios e agradeçam por estarem
vivos. Dizer que o Ferréz faz a
apologia do crime é tão equivocado quanto dizer que "Tropa
de Elite" faz a apologia da violência policial.
FOLHA - O que o capitão Nascimento faria diante de Mané Galinha, um trabalhador que entrou para o tráfico para se vingar?
MANTOVANI - O capitão Nascimento e o Mané Galinha representam pessoas da realidade,
mas não são entidades biológicas. Como ser ficcional, o capitão Nascimento age de acordo
com uma lógica narrativa, dramática. Segundo essa lógica,
Mané Galinha não seria poupado. Nem o Zé Pequeno. A lógica
do cara não admite exceções.
Quando o personagem Baiano,
dono do morro, aparece no
"Tropa de Elite", Nascimento
diz que a história do Baiano deve ter sido difícil e que ele provavelmente não teve opção a
não ser entrar para o tráfico.
Mesmo assim, para Nascimento, traficante é traficante. Assim como para o Baiano, policial é "alemão". Ninguém alivia
ninguém. A não ser quando alguém se corrompe.
FOLHA - Como "Tropa de Elite" e
"Cidade de Deus" se completam?
MANTOVANI - Em ambos os filmes, a população da favela vive
uma situação que é muito parecida à de uma guerra. Os traficantes garantem uma certa paz
pela força bruta e são tão implacáveis quanto os do Bope. A
diferença: em alguns casos, é
possível conversar com os traficantes. Com a polícia, salvo
engano de minha parte, essa
possibilidade não existe.
FOLHA - Como você tem visto a repercussão de "Tropa de Elite"?
MANTOVANI - Quem acha que é
fascismo não viu o filme direito
ou não sabe o que é fascismo e
muito menos arte fascista.
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