São Paulo, sábado, 20 de outubro de 2007

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"Capitão Nascimento não pouparia Zé Pequeno e Mané Galinha", diz roteirista

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Se fosse ficção, a ação de ontem do Bope teria que ser escrita pelo paulista Bráulio Mantovani, 44, roteirista de "Cidade de Deus" (2002) e "Tropa de Elite", filmes que retratam, sob pontos de vista diferentes, a violência em torno do tráfico de drogas no Rio. Mantovani diz que polícia repressiva nem legalização das drogas resolvem o problema e reconhece que o capitão Nascimento não pouparia a vida dos traficantes Mané Galinha e Zé Pequeno.

 

FOLHA - O Bope invadindo a Cidade de Deus é uma cena triste ou um mal necessário?
BRÁULIO MANTOVANI
- Sempre leio com tristeza as notícias de mortes violentas. A ação da polícia não pode ser um mal necessário. A situação violenta em que vivemos não vai ser resolvida com uma polícia mais dura, com mais prisões e mortes de criminosos. Imaginar que a legalização das drogas ajudaria a resolver o problema é ingenuidade. Existe um apartheid social no Brasil, com ou sem drogas legais. Acabar com essa situação de apartheid é a única forma de diminuir a violência e a criminalidade. Veja, por exemplo, a polêmica em torno do relógio do Luciano Huck. O cara tem razão de reclamar? Tem. Mas isso é só um lado da moeda. O Ferréz escreveu um texto contando uma história imaginária, mas nem por isso menos real, do cidadão (insisto no cidadão) que roubou o relógio. Ele descreveu uma situação em que o episódio está, por assim dizer, historicizado. Ferréz foi além do óbvio e provocou o pensamento. O que as classes privilegiadas no Brasil precisam responder é o seguinte: vocês querem continuar pagando salários de fome para empregadas domésticas, porteiros, policiais, professores etc? Se a resposta é sim, conformem-se em perder seus relógios e agradeçam por estarem vivos. Dizer que o Ferréz faz a apologia do crime é tão equivocado quanto dizer que "Tropa de Elite" faz a apologia da violência policial.

FOLHA - O que o capitão Nascimento faria diante de Mané Galinha, um trabalhador que entrou para o tráfico para se vingar?
MANTOVANI
- O capitão Nascimento e o Mané Galinha representam pessoas da realidade, mas não são entidades biológicas. Como ser ficcional, o capitão Nascimento age de acordo com uma lógica narrativa, dramática. Segundo essa lógica, Mané Galinha não seria poupado. Nem o Zé Pequeno. A lógica do cara não admite exceções. Quando o personagem Baiano, dono do morro, aparece no "Tropa de Elite", Nascimento diz que a história do Baiano deve ter sido difícil e que ele provavelmente não teve opção a não ser entrar para o tráfico. Mesmo assim, para Nascimento, traficante é traficante. Assim como para o Baiano, policial é "alemão". Ninguém alivia ninguém. A não ser quando alguém se corrompe.

FOLHA - Como "Tropa de Elite" e "Cidade de Deus" se completam?
MANTOVANI
- Em ambos os filmes, a população da favela vive uma situação que é muito parecida à de uma guerra. Os traficantes garantem uma certa paz pela força bruta e são tão implacáveis quanto os do Bope. A diferença: em alguns casos, é possível conversar com os traficantes. Com a polícia, salvo engano de minha parte, essa possibilidade não existe.

FOLHA - Como você tem visto a repercussão de "Tropa de Elite"?
MANTOVANI
- Quem acha que é fascismo não viu o filme direito ou não sabe o que é fascismo e muito menos arte fascista.


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