São Paulo, sábado, 20 de novembro de 2010

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WALTER CENEVIVA

Ainda o aborto


Exemplos de outras nações católicas provavelmente abrirão o caminho para o aborto em nosso país


O ABORTAMENTO É PROIBIDO em nosso país, mas admitido em circunstâncias específicas. Embora sejamos um Estado laico, no qual os assuntos da religião e das leis são separados, ninguém duvida que a discussão sobre o aborto sofre forte influência da Igreja Católica.
Exemplo dessa posição surgiu nas palavras do papa Bento 16, em meados de outubro, na sua visita à Espanha, país tradicionalmente católico. Lá, a Lei da Saúde Sexual e Reprodutiva (permissiva do aborto) vigora desde julho último.
Aqui, subsiste a discussão, mas não se duvida de que a legislação que regula alternativas para o abortamento será votada e, se aprovada, sancionada, como se viu quando os candidatos à Presidência da República foram chamados a se posicionar a respeito.
Diante da possibilidade aberta, vale a pena examinar aspectos da lei espanhola, a permitir que o médico (de intervenção obrigatória, como no Brasil) se recuse a assistir a paciente em caso de abortamento, alegando objeção de consciência, desde que preserve a paciente e a assistência a ser prestada.
No Código Penal brasileiro, os artigos 124 a 126 punem o aborto com penas de detenção de 1 a 3 anos (paciente que provoca o aborto em si mesma ou consente que outrem o provoque); de reclusão de 3 a 10 anos (aquele que cause o aborto não consentido pela gestante) e de reclusão de 1 a 4 anos (quem tem a mesma conduta, com o consentimento da grávida).
Há formas qualificadas, com penas mais graves, mas não interessam no momento.
Nesta coluna, vale a pena lembrar o art. 128 do Código Penal, pelo qual não se pune o aborto se, praticado por médico, não houver outro meio de salvar a vida da gestante. Precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal, também é permitido o abortamento se a gravidez resulta de estupro.
No plano estrito da medicina, é frequente a permissão do aborto quando realizado até a 14ª semana de gravidez.
Foi muito discutido na Espanha se o médico, mesmo em caso grave do estado de saúde da mãe, pode recusar-se a atuar no aborto. A resposta correta, na lei espanhola, parece permitir a objeção de consciência do médico, mas o aborto deve ser praticado se a vida e as condições da mulher forem sacrificadas em virtude da não intervenção.
Tem sido muito debatido entre nós o caso das menores que engravidam, para saber se os pais da menor devem ser notificados. Na nova lei espanhola, conforme li no "El País", a menor de 16 ou 17 anos completos que queira abortar, sem informar seus pais, pode ser acolhida quando alegue conflito com sua família, em sua casa, ou que seus pais não têm bons fundamentos para impedir a intervenção.
Esse e outros exemplos colhidos em nações católicas provavelmente abrirão o caminho para o aborto em nosso país, ainda que os interessados mantenham suas convicções religiosas, pró ou contra.
O assunto não sairá do foco em face do trabalho da mulher fora do lar, vindo com a grande concentração urbana, gerando alterações em seus padrões de conduta como parte da transformação dos costumes. São os valores socioeconômicos mais vigorosos em várias camadas da população do que os valores religiosos subsistentes.


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