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Sem-teto é usado para forçar venda nos Jardins, diz vizinho
Dono de 6 dos 9 apartamentos de prédio na Oscar Freire é acusado de incentivar ocupação
Demais proprietários vêem ocupação incentivada; já advogado afirma que seu cliente fez uma doação para pedreiros de sua empresa
PAULO SAMPAIO
MARIANA TAMARI
DA REPORTAGEM LOCAL
Joana, 32, ganha a vida tomando conta de carros nos Jardins, tem cinco filhos e mora
em Itaquera. Quer dizer, morava. Ela se mudou há 15 dias de
uma casa de cômodos para um
apartamento de 100 m2 na esquina da Oscar Freire com a
Peixoto Gomide.
Com ela, são cerca de 30 pessoas, entre os quais sem-tetos
arregimentados no meio da rua
para habitar o nobre endereço.
Nenhum deles é invasor.
Todos estão ali a convite do
proprietário de seis dos nove
apartamentos do prédio (três
quartos, sala, cozinha, banheiro, garagem). Os outros três são
de donos diferentes.
O proprietário "majoritário"
é um empreendedor do setor
imobiliário que mora em Brasília e recusa-se a se identificar.
No escritório de advocacia
que o representa, tampouco se
diz o nome de sua empresa.
"Você vai falar com o doutor
Bernardo", diz a secretária.
Dr. Bernardo (que também
se recusa a dizer o nome completo) já atende dizendo que
seu cliente "é rico e deu os
apartamentos para os pobres
morarem lá, não pode?"
Esses novos moradores seriam, de acordo com o advogado, pedreiros (e seus familiares) da empresa de seu cliente.
O problema é que, de acordo
com os vizinhos, tudo não passa de uma estratégia "terrorista" do empresário para desvalorizar seus imóveis e forçá-los
a uma negociação. Depois de
comprar o edifício todo, acreditam os vizinhos, o empreendedor ergueria uma torre bem
mais valorizada.
"Ele [o empresário] colocou
aquelas pessoas ali para nos
aterrorizar. Quer que a gente
desista do imóvel para então
fazer uma oferta bem baixa",
acredita a psicóloga Matilde
Neder, 83, outra moradora
"minoritária", dona de um dos
apartamentos desde a construção do edifício, em 1957.
Dr. Bernardo, a princípio,
nega que seu cliente queira
comprar os três imóveis. Depois, reconhece que "ele pagaria o preço justo". Por sua vez,
os proprietários dizem que o
valor justo é o do metro quadrado na área. "Ele faz algumas
sondagens, mas nada diretamente", afirma Rafael (nome
fictício), outro proprietário.
Da última vez que o sondaram, a oferta era de R$ 280 mil.
Ele diz que o imóvel vale, no
mínimo, R$ 300 mil, mas, como fica numa das áreas mais
valorizadas da cidade -o m2
custa R$ 4.800, segundo a Empresa Brasileira de Estudos de
Patrimônio (Embraesp)-, poderia atingir R$ 500 mil.
"Quando se vende o prédio
todo para uma pessoa só, o preço da unidade sobe, porque no
fim ele vai ganhar muito mais
se construir um prédio ali",
afirma Rafael.
Apesar de não morarem ali,
os proprietários continuam pagando condomínio e taxas.
Matilde diz que cedeu o
apartamento para uma sobrinha também psicóloga, que
atenderia os pacientes ali mas
foi impedida com a alegação de
que a zona é residencial.
"Atendi meus clientes ali por
muitos anos", conta Matilde.
O síndico foi indicação do
empreendedor, mas também
não se sabe informar quem é.
Desde que o empresário ofereceu moradia a seus pedreiros
("coitados", diz o advogado),
dois apartamentos foram assaltados. O proprietário de um
deles, o engenheiro Carlos
Chaim, comprou o imóvel e
transformou em ateliê para a
sua filha, que é artista plástica.
Chaim conta que a moça encontrou a porta arrombada e
alguns objetos roubados.
"Demos queixa na polícia no
mesmo dia, o rapaz foi preso,
mas, quando passamos em
frente ao prédio à noite, a luz
de uma janela do apartamento
estava acesa", lembra.
Em sua nova moradia, Joana
no início se mostra bastante
hospitaleira e autoriza a fotografar o apartamento -só pede
para passar uma vassoura na
sala, antes.
Mas quando o fotógrafo aparece, fecham-se as portas. "Matéria o quê?", pergunta, sem
ouvir a resposta, o vizinho Josué (nome fictício, idade estimada, 45), com uma criança.
Ele manda fotógrafo e repórter irem "encher o saco da
mãe". "Vocês não têm direito
de morar? Por que não posso?"
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