São Paulo, quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

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Sem-teto é usado para forçar venda nos Jardins, diz vizinho

Dono de 6 dos 9 apartamentos de prédio na Oscar Freire é acusado de incentivar ocupação

Demais proprietários vêem ocupação incentivada; já advogado afirma que seu cliente fez uma doação para pedreiros de sua empresa

PAULO SAMPAIO
MARIANA TAMARI
DA REPORTAGEM LOCAL

Joana, 32, ganha a vida tomando conta de carros nos Jardins, tem cinco filhos e mora em Itaquera. Quer dizer, morava. Ela se mudou há 15 dias de uma casa de cômodos para um apartamento de 100 m2 na esquina da Oscar Freire com a Peixoto Gomide.
Com ela, são cerca de 30 pessoas, entre os quais sem-tetos arregimentados no meio da rua para habitar o nobre endereço. Nenhum deles é invasor.
Todos estão ali a convite do proprietário de seis dos nove apartamentos do prédio (três quartos, sala, cozinha, banheiro, garagem). Os outros três são de donos diferentes.
O proprietário "majoritário" é um empreendedor do setor imobiliário que mora em Brasília e recusa-se a se identificar.
No escritório de advocacia que o representa, tampouco se diz o nome de sua empresa. "Você vai falar com o doutor Bernardo", diz a secretária.
Dr. Bernardo (que também se recusa a dizer o nome completo) já atende dizendo que seu cliente "é rico e deu os apartamentos para os pobres morarem lá, não pode?"
Esses novos moradores seriam, de acordo com o advogado, pedreiros (e seus familiares) da empresa de seu cliente.
O problema é que, de acordo com os vizinhos, tudo não passa de uma estratégia "terrorista" do empresário para desvalorizar seus imóveis e forçá-los a uma negociação. Depois de comprar o edifício todo, acreditam os vizinhos, o empreendedor ergueria uma torre bem mais valorizada.
"Ele [o empresário] colocou aquelas pessoas ali para nos aterrorizar. Quer que a gente desista do imóvel para então fazer uma oferta bem baixa", acredita a psicóloga Matilde Neder, 83, outra moradora "minoritária", dona de um dos apartamentos desde a construção do edifício, em 1957.
Dr. Bernardo, a princípio, nega que seu cliente queira comprar os três imóveis. Depois, reconhece que "ele pagaria o preço justo". Por sua vez, os proprietários dizem que o valor justo é o do metro quadrado na área. "Ele faz algumas sondagens, mas nada diretamente", afirma Rafael (nome fictício), outro proprietário.
Da última vez que o sondaram, a oferta era de R$ 280 mil. Ele diz que o imóvel vale, no mínimo, R$ 300 mil, mas, como fica numa das áreas mais valorizadas da cidade -o m2 custa R$ 4.800, segundo a Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp)-, poderia atingir R$ 500 mil.
"Quando se vende o prédio todo para uma pessoa só, o preço da unidade sobe, porque no fim ele vai ganhar muito mais se construir um prédio ali", afirma Rafael.
Apesar de não morarem ali, os proprietários continuam pagando condomínio e taxas.
Matilde diz que cedeu o apartamento para uma sobrinha também psicóloga, que atenderia os pacientes ali mas foi impedida com a alegação de que a zona é residencial.
"Atendi meus clientes ali por muitos anos", conta Matilde.
O síndico foi indicação do empreendedor, mas também não se sabe informar quem é.
Desde que o empresário ofereceu moradia a seus pedreiros ("coitados", diz o advogado), dois apartamentos foram assaltados. O proprietário de um deles, o engenheiro Carlos Chaim, comprou o imóvel e transformou em ateliê para a sua filha, que é artista plástica.
Chaim conta que a moça encontrou a porta arrombada e alguns objetos roubados.
"Demos queixa na polícia no mesmo dia, o rapaz foi preso, mas, quando passamos em frente ao prédio à noite, a luz de uma janela do apartamento estava acesa", lembra.
Em sua nova moradia, Joana no início se mostra bastante hospitaleira e autoriza a fotografar o apartamento -só pede para passar uma vassoura na sala, antes.
Mas quando o fotógrafo aparece, fecham-se as portas. "Matéria o quê?", pergunta, sem ouvir a resposta, o vizinho Josué (nome fictício, idade estimada, 45), com uma criança.
Ele manda fotógrafo e repórter irem "encher o saco da mãe". "Vocês não têm direito de morar? Por que não posso?"


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