São Paulo, segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

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ANÁLISE

O que as mulheres temem ao contar sua história a médicos?

DEBORA DINIZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

As vítimas de estupro são mulheres comuns: jovens, católicas, com baixa escolaridade e inserção informal no mundo do trabalho. A surpresa não está no perfil, mas na informação de que só uma em cada dez mulheres procurou o serviço de saúde imediatamente após a violência.
As razões desse silêncio são desconhecidas pela pesquisa, mas denunciam desafios importantes à saúde pública brasileira. O que as mulheres temem ao contar suas histórias de estupro a médicos, enfermeiras ou assistentes sociais?
A primeira pista para essa pergunta está na combinação de duas informações aparentemente discordantes: a maioria das mulheres submeteu-se ao exame de corpo de delito e registrou o boletim de ocorrência policial, mas muitas tiveram o pedido de aborto negado.
A principal razão foi o avanço da idade gestacional, pois as mulheres demoram para buscar os hospitais. E, dentre as poucas que buscaram socorro imediato, nem todas receberam a contracepção de emergência -gratuita e encontrada em qualquer centro de saúde. Em tese, a mulher não precisa expor sua história, basta solicitar a medicação na farmácia. Mas há um silêncio tão perverso em torno do aborto que até mesmo informações básicas sobre direitos e assistência são ignoradas pelas mulheres. A encruzilhada do atendimento não está apenas no serviço de referência, mas nos programas de inserção comunitária, tais como o saúde da família, o saúde em casa ou mesmo nos agentes de saúde.
Se esse modelo integral de assistência em saúde funcionasse, muitas mulheres nem sequer precisariam do aborto. Mas, curiosamente, as mulheres vítimas de violência sexual parecem temer os profissionais de saúde, e esse é meu maior espanto diante dos dados da pesquisa.
Elas superam a barreira do constrangimento policial e realizam o exame de corpo de delito: um exame vexatório e não obrigatório para o registro de estupro, mas se recusam a ir imediatamente ao hospital. Sem ainda entender as razões, me parece que as mulheres vítimas de violência sexual confiam mais na polícia que nos profissionais de saúde.

DEBORA DINIZ é professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis (Instituto de Bioética e Direitos Humanos)


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