São Paulo, sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

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BARBARA GANCIA

Agora a do papagaio, secretário!


Prefeitura tenta desviar atenção fabricando uma queda da Bastilha no bairro do Itaim Bibi


ENQUANTO ESCREVO, São Paulo segue em estado de atenção devido às chuvas.
Mesmo diante da iminência de mais um alagamento na minha rua, dou graças a Deus por não estar pendurada em alguma encosta da serra do Mar feito cabrito montanhês exposto à intempérie.
Muito obrigada, mas escolho passar a culpa de praxe que o pessoal costuma imputar a um e outro a cada verão para tentar explicar o pior.
É sempre a mesma coisa. Depois das mortes, a gente tenta simplificar. Mas a realidade é uma só: terreno em área plana é caro, quanto mais alto subir na encosta, mais fácil para o sujeito se instalar.
E barraco de invasão se constrói num piscar de olhos, é pá-pum. Uma vez que o casebre estiver lá balançando ao vento na lateral do morro, quero ver quem consegue remover. Vá você tentar argumentar com a igreja e com as entidades que defendem os menos favorecidos que eles podem ter tudo o que mais prezam, inclusive a própria vida, levada pela enxurrada. Sujeito prefere correr risco entre janeiro e março a viver um ano inteiro de moradia incerta.
E, na selva de pedra onde a água não tem mais por onde se esgueirar, pessoal paga para sofrer. Em sua gestão anterior, o governador Geraldo Alckmin empregou cerca de R$ 1 bilhão para fazer o desassoreamento do Tietê. Ou seja, gastou uma dinheirama na remoção dos detritos que acabam no leito do rio, vindos dos córregos.
Nestes dias, o Tietê voltou a transbordar. Terá sido ira dos céus, flagelo bíblico? Ou será que foi o governo Serra que ficou quatro anos sem fazer manutenção no rio?
A cada chuvisco de verão, vemos o administrador público da vez sair com a mesma melopeia de sempre e dizer que choveu naquele dia dez vezes mais do que a média do mês nos últimos anos. Bem, então ficamos combinados assim: alô, prefeito Kassab! Saiba que está chovendo dez vezes mais do que antes. Pronto, o prefeito foi alertado.
E agora que o Kassab está devidamente informado, oxalá decida rever a decisão a respeito do terreno no Itaim Bibi, sobre o qual já falamos aqui. Sabe, é aquele com centenas de árvores nativas, uma biblioteca, uma creche, uma escola, um Caps, uma Apae e um posto de saúde que a prefeitura quer negociar com a iniciativa privada em troca da construção de 200 creches.
É oportuno voltar a falar sobre a área na época das chuvas, quando lembramos sobre a importância da permeabilidade do solo na cidade.
Neste caso, veja que interessante, a prefeitura insiste em fabricar uma queda da Bastilha. O secretário de Desenvolvimento Econômico e Trabalho, Marcos Cintra, defende a construção das creches com o sacrifício do terreno público: "Não é porque é bairro de gente rica que merece tratamento especial".
A frase soa bem, não nego. Mas não passa de decorativa. O que está em jogo não é o bem-estar dos moradores da área, mas um princípio: na cidade em que queremos viver, o verde, o solo permeável e o que já estava funcionando perfeitamente bem não será trocado por espigões. Pelo motivo que for.
E eu gostaria de entender que construtora conseguirá arrumar 200 terrenos para comprar em um ano, como prevê a prefeitura.
Não é sobre os direitos de ricos e pobres que deveríamos estar conversando, mas sobre a preservação daquilo que é inegociável por motivos óbvios.

barbara@uol.com.br

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@barbaragancia


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