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PASQUALE CIPRO NETO
Fidel, Cuba, o Haiti, o Pentateuco...
Para que se entenda o texto A, é necessário conhecer os textos B, C, D, E e/ou F, com os quais o texto A dialoga
E "EL COMANDANTE" resolveu
finalmente entregar o bastão.
Sem detença, o governo de
Bush lembrou que o embargo à ilha
de Fidel só pode cair por decisão do
Congresso dos Estados Unidos.
Pois bem. Esses fatos me trouxeram à mente alguns dos belos versos
da canção "Haiti" (letra de Caetano
Veloso; música do próprio Caetano e
de Gilberto Gil): "E (quando você)
apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba / Pense no
Haiti / Reze pelo Haiti / O Haiti é
aqui / O Haiti não é aqui".
Irônica e mordaz -mordacíssima-, a letra de Caetano desmascara
muito da hipocrisia brasuca. O inquietante refrão ("O Haiti é aqui / O
Haiti não é aqui") faz diretas e indiretas referências à nossa realidade.
O Haiti foi a primeira nação negra
das Américas e chegou a ter importante papel no cenário econômico
internacional, como grande produtor de açúcar. Depois de idas e vindas em embates com a metrópole
(França), da independência, de
drásticas mudanças na cadeia produtiva, da invasão (no século 20) por
fuzileiros navais americanos, o país
chegou à sanguinária ditadura Doc
(Papa Doc e Baby Doc) e à condição
de mais pobre país das Américas.
O Haiti ocupa um pedaço de uma
ilha do Caribe; o outro pedaço dessa
ilha é ocupado pela República Dominicana, onde, em 1492, desembarcou Cristóvão Colombo. Perto
dali fica Cuba, que, desde 1962 (três
anos depois da chegada de Fidel ao
poder), sofre embargo econômico
dos Estados Unidos, fato citado por
Caetano Veloso na letra de "Haiti".
Ufa! O que acabo de escrever é o
mínimo do mínimo para que se entendam algumas passagens da letra
de uma canção popular como "Haiti", cujo autor, sempre inspirado, faz
o que hoje é "ordem" na educação: a
intertextualidade, a interdisciplinaridade. Na aula de texto, não se pode
prescindir das explicações vindas da
história, da geografia ou da geopolítica, por exemplo, assim como determinadas passagens de textos técnicos, filosóficos ou científicos muitas vezes só ficam claras depois da
devida análise morfossintática.
Nesta semana, ouvi no rádio uma
matéria sobre uma página
(www.machadodeassis.unesp.br)
que homenageia Machado, no centenário de sua morte. Uma das professoras responsáveis pelo site citou
elementos que poderiam ajudar os
"visitantes" a entender melhor a
obra de nosso grande escritor. Um
desses elementos foi a erudição.
Sim, em várias passagens de sua
obra, Machado revela erudição filosófica, teológica etc. No início de
"Memórias Póstumas", por exemplo, o Bruxo do Cosme Velho cita o
"Pentateuco" (a coleção dos cinco
primeiros livros do "Velho Testamento"): "Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical
entre este livro e o Pentateuco".
Pois é, caro leitor. Os textos "dialogam", o que não é nenhuma novidade. Para que se entenda o texto A,
muitas vezes é necessário ter conhecimento dos textos B, C, D, E e/ou F,
com os quais o texto A "dialoga". Em
tempos como os de hoje, em que não
se pode nem mais fazer referência a
fatos surrados (porque muita gente
não os conhece), fica difícil (senão
impossível) falar em intertextualidade ou interdisciplinaridade. A ordem, pois, é ler, ler, ler. É isso.
inculta@uol.com.br
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