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INFÂNCIA PERDIDA
Crescimento é verificado entre 2001 e 2004; desejo de consumo surge como principal motivo para entrada no crime
Dobra o número de meninas na Febem
GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Fui eu quem quis, ninguém me
influenciou", diz a primeira. "Foi
pelo dinheiro fácil", afirma a outra. "Gostava de andar na moda",
explica a terceira. "Só queria baladas", diz a seguinte.
Nos relatos, não existe o papel
de vítimas. Assumem a responsabilidade pelos crimes que cometeram -roubo qualificado e tráfico
de drogas são os principais-
com uma maturidade que contrasta com a voz fina, tranças e enfeites no cabelo.
São meninas, internas na Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) de São Paulo, e
fazem parte de um fenômeno
preocupante de aumento da participação de garotas na criminalidade e do que pessoas ligadas à
área definem como "emancipação feminina mal canalizada".
As estatísticas preocupam e já
colocaram setores da Febem em
alerta. O número de garotas cumprindo medidas socioeducativas
na instituição -internação provisória, internação e semiliberdade- dobrou em relação ao início
do novo século.
Eram 289 meninas em fevereiro
último -106,4% a mais do que
no mesmo mês de 2001. Apesar de
ainda serem a maioria, os garotos
registraram um aumento de
49,3% nesse mesmo período.
Os registros de jovens que passaram pela Febem -muitos já foram transferidos para o programa
de liberdade assistida- também
confirmam a tendência.
Em 2003, 809 garotas passaram
pela instituição, 34,1% a mais em
relação a 2001 -quando esses dados começaram a ser computados
pela fundação. Novamente, os
meninos registram um índice de
crescimento abaixo do das garotas no mesmo período: 23,5%.
Mesmos motivos
Os relatos das meninas não são
muito diferentes do que dizem os
garotos. "É a mesma lógica do
consumo. Boa parte não vive em
situação de miserabilidade, mas
entra para o crime porque quer
tênis importado, roupa da moda", diz Marília Moreira Graciano, diretora do internato da Mooca (zona leste de São Paulo). A
unidade de internação abriga meninas com perfil primário e reincidente graves.
Apesar de a Febem não possuir
um perfil socioeconômico dos jovens, Marcus Alexandre da Silva,
diretor da UIP (Unidade de Internação Provisória) -uma espécie
de porta de entrada das meninas
na instituição-, também na
Mooca, afirma que cresce o número de internas pertencentes à
classe média baixa.
Até a liderança no ranking dos
crimes mais comuns se repete entre meninos e meninas. Os cinco
principais delitos -roubo qualificado, tráfico de drogas, furto,
roubo simples e descumprimento
de medida socioeducativa- são
os mesmos.
A principal diferença, no entanto, está no tráfico de drogas. Ele
foi responsável por 19,7% das passagens de meninas pela Febem
em 2003. Em relação aos garotos,
esse índice foi de 11,8%.
"Para o tráfico, as mulheres têm
mais chance de passar despercebidas pela vigilância policial",
afirma o delegado Ivaney Cayres
de Souza, diretor do Denarc (Departamento de Investigações sobre Narcóticos).
Depoimentos de pessoas ligadas à área e das próprias internas
revelam que a participação de
meninas no tráfico e em outros
crimes não é tão secundária e que
a figura da adolescente indefesa
que entrou no crime por causa do
envolvimento emocional com um
bandido é discutível.
"Esse mito tem de ser revisto.
Essa influência é uma idéia ultrapassada", afirma Karyna Batista
Sposato, diretora-executiva do
Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do
Delinquente). Para ela, a garota
também está sujeita às tentações
do consumo. "Assim como os
meninos, as meninas também
querem ter determinados bens."
Emancipação
Segundo Sposato, o aumento do
envolvimento dessas jovens no
crime também é conseqüência de
uma emancipação feminina mal
direcionada, principalmente devido à carência de serviços públicos na periferia.
"Espera-se que ela conquiste o
seu lugar. Isso causa um impacto
na adolescência. Essa emancipação acaba sendo direcionada, infelizmente, para o crime", afirma
a pesquisadora.
À Folha internas da Febem não
culparam outras pessoas pelos
crimes pelos quais foram presas e
narraram episódios que em nada
lembram meninas indefesas. Participaram de decisões, davam ordens, portavam armas em assaltos, cobravam dívidas de tráfico
de droga e até fizeram questão de
matar desafetos.
"Já pensou esse potencial dirigido para o canal certo?", questiona
Maria Aparecida Tonet, chefe da
coordenadoria técnica de atendimento feminino na Febem. "Elas
merecem uma chance."
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