São Paulo, domingo, 21 de abril de 2002

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SAÚDE

Aos 50 anos, instituto sofre reforma, aumenta número de leitos de 104 para 210 e flexibiliza circulação de pacientes

Psiquiatria do HC muda cara e métodos

DA REPORTAGEM LOCAL

O Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo está completando 50 anos com uma ampla renovação nos seus edifícios e nas suas práticas.
As atuais enfermarias escuras e trancadas com chave, onde as camas de metal são parafusadas no chão, estão sendo derrubadas. No lugar, serão construídas enfermarias menores, especializadas, com cores e iluminação estudadas. O projeto foi inspirado em hospitais psiquiátricos de referência na Europa e nos Estados Unidos.
No novo instituto, os pacientes circularão pelas áreas comuns e receberão seus familiares em ambientes que pouco lembram hospitais. Enfermarias especializadas evitarão, por exemplo, que alguém deprimido divida o espaço com um psicótico. E que uma criança fique no meio de adultos.
A reformulação do Instituto de Psiquiatria, que aumentará seu número de leitos de 104 para 210, vem alimentar o debate sobre os rumos da saúde mental no país. O instituto representa a defesa de hospitais psiquiátricos modernos, enquanto o Ministério da Saúde prega a redução de leitos e o aumento dos serviços extra-hospitalares. No país, mais de 4 milhões de pacientes psiquiátricos vivem sem assistência.

Segregação
O prédio de quatro andares do Instituto de Psiquiatria, encravado no meio do HC e projetado nos anos 40, foi inaugurado em 1952. Na época, não havia psicofármacos e o manicômio tinha a função de "proteger" o paciente dele e da sociedade, isolando um do outro.
A falta de medicação justificava a estrutura opressiva e a segregação. Meio século depois, as enfermarias do instituto ainda mantêm algumas dessas práticas, com pacientes em uniformes que lembram presidiários, enfiados em cobertores boa parte do tempo.
O instituto introduziu no país as enfermarias especializadas e os serviços específicos. Inova agora ao abrir essas enfermarias. "O paciente vai ser atendido num espaço compatível com o seu problema, seja um quarto ou uma área de convivência, mas sem segregação", afirma Valentim Gentil Filho, 55, diretor do instituto. "A enfermagem será treinada para atender pacientes específicos, diminuindo o estresse."
Por ser um hospital universitário, o instituto está sendo pensado como um centro de tratamento, ensino e pesquisa. "Trata-se de uma mudança do conceito de hospital psiquiátrico", diz Wagner Gattaz, 51, professor titular e diretor do laboratório de neurociência do instituto.
A reforma física teve início em outubro do ano passado e deve terminar em 2004. Consumirá R$ 16 milhões já garantidos pelo governo do Estado. Outros R$ 10 milhões serão gastos com mobiliário e equipamentos. Os recursos estão sendo buscados junto à iniciativa privada.
Com a reformulação, além de dobrar o número de leitos, o instituto ampliará também o atendimento ambulatorial de 70 mil consultas por ano para 100 mil.

Custo polêmico
"Um serviço de referência de diagnóstico não precisa de tantos leitos e de tanto investimento", diz Ana Pitta, coordenadora de Saúde Mental da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. "Com R$ 52 milhões anuais, estão sendo mantidos todos os serviços não-hospitalares no país, 57 deles só no Estado de São Paulo."
O objetivo do professor Valentim Gentil é que o instituto se torne modelo para outros hospitais psiquiátricos do país. Cumpriria, assim, uma das funções da universidade pública -pesquisar, testar e fornecer modelos para o resto da comunidade.
"Gostaríamos de ver a universidade participando da elaboração das políticas públicas de saúde, capacitando recursos humanos e propondo correções na produção dos serviços comunitários, mas não é isso que vem acontecendo", afirma Ana Pitta.
Pedro Gabriel Delgado, que coordena a saúde mental no Ministério da Saúde, diz que "a produção de conhecimentos é importante, mas precisa estar articulada com a rede pública de saúde mental". A segmentação por diagnóstico defendida pelo instituto, segundo Delgado, "não é utilizável no modelo de atenção comunitária". "Não é o que propomos nem o que a Organização Mundial da Saúde propõe."
(AURELIANO BIANCARELLI)

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