São Paulo, sábado, 21 de abril de 2007

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Reeleito, presidente da Bienal é investigado

Pires da Costa contratou revista da qual é dono para publicar textos da fundação; ele diz que preço é inferior aos de mercado

Ministério Público investiga caso; durante a eleição, escolhido disse que já usou dinheiro próprio para cobrir rombos da instituição

MARIO CESAR CARVALHO
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

O empresário Manoel Pires da Costa foi reeleito anteontem presidente da Fundação Bienal pela terceira vez em uma situação inédita. Ele está sob investigação do Ministério Público pelo fato de a Bienal ter contratado uma empresa dele, o que levanta suspeitas de desvios, e o conselho de administração da instituição não chegou a um consenso para aprovar as contas do ano passado.
Como as contas haviam sido reprovadas pelo conselho fiscal, que analisa as finanças da fundação, decidiu-se que uma comissão de ex-presidentes da Bienal julgará a lisura dos gastos de 2006. Numa espécie de compensação simbólica pelas contas colocadas sob suspeição, o conselho de administração aprovou um voto de confiança no presidente.
A vitória folgada de Pires da Costa (39 votos a favor, 7 contra e uma abstenção) não traduz com precisão o clima tenso da reunião, que durou cinco horas e meia.
O presidente chegou a dizer que as restrições do conselho fiscal atingiam sua honra. Afirmou que jamais tirou proveito financeiro da Bienal. Em tom de desabafo, disse que já usou dinheiro próprio para cobrir rombos da Bienal. O balanço da fundação aponta um déficit de R$ 1,03 milhão no ano passado.
O presidente da Bienal ficou contrariado porque o conselho fiscal fez três tipos de crítica à sua gestão:
1. Considerou parte das práticas de governança da Bienal "inconveniente pelos padrões normalmente exigidos a pessoas jurídicas";
2. Apontou que Pires da Costa contratou uma empresa, a TPT Comunicações e Editora, da qual é dono, para editar a revista "Bien'art". A TPT recebe cerca de R$ 125 mil por mês da Bienal por textos sobre eventos ligados à fundação (cada página custa R$ 25 mil). A Bienal paga mais R$ 15 mil por mês à TPT por serviços de assessoria de imprensa;
3. Avaliou que a contratação da TPT fere o artigo 6º do estatuto da fundação, que proíbe presidentes ou diretores de fazerem negócios com empresas das quais são sócios.
Essas desobediências "por si só originam uma situação de impedimento de aprovação das contas e da conduta da diretoria executiva", diz o relatório do conselho fiscal, integrado pelo médico Sebastião de Almeida Prado Sampaio, o advogado Manoel Whitaker Salles, o promotor aposentado Carlos Francisco Bandeira Lins e o empresário Julio Landmann.
Whitaker Salles diz que não faz sentido a revista receber recursos da Bienal, sem aprovação do conselho, enquanto os catálogos da última exposição não foram publicados. Desde 1951, quando foi realizada a primeira mostra, é a primeira vez que a Bienal termina sem ter catálogos.
"Como o presidente da Bienal pode fazer um contrato consigo próprio?", disse ele antes da eleição.
O primeiro questionamento sobre a revista "Bien'art" foi feito em setembro pelo conselheiro e colecionador Adolfo Leirner. A ata registra o seguinte: "Sr. Pires da Costa informa que foi contratada uma empresa especializada através de uma concorrência (...). Informa que para maiores esclarecimentos sobre esse assunto marcará uma reunião para apresentar todos os detalhes de como funciona a revista "Bien'art"".
Em nenhum momento, o presidente da Bienal informou o mais importante, segundo o conselho fiscal: que ele era o dono da revista.
Há 20 dias, quando reconheceu que era o dono da revista, Pires da Costa recebeu a recomendação de um conselheiro, o advogado Arnoldo Wald Filho, de fazer uma autodenúncia junto ao Ministério Público.
Anteontem, na reunião que reelegeu o presidente, dois promotores da Curadoria de Fundações, órgão do Ministério Público que fiscaliza fundações, apresentaram a primeira auditoria feita na Bienal.
Segundo assessores de Pires da Costa, o promotor disse que, numa primeira análise, não encontrara provas de que a revista trazia prejuízos à fundação.
Procurado por dois dias seguidos pela Folha, o promotor Ayrton Grazzioli não foi encontrado para confirmar o teor da auditoria. Ainda de acordo com assessores de Pires da Costa, os promotores vão analisar agora se os preços pagos pela Bienal à revista seguem os padrões de mercado.
A investigação do Ministério Público corre sob sigilo por envolver as finanças de uma empresa privada.


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