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GILBERTO DIMENSTEIN
O judeu Silvio Santos e o câncer
Menos 55 mil pessoas receberão
diagnóstico de câncer este ano,
nos Estados Unidos -número
suficiente para superlotar o estádio do Pacaembu, em São Paulo,
obrigando pelo menos 15 mil pessoas a ficar de pé.
Divulgada semana passada por
associações de saúde pública
americanas, a estimativa levou
cientistas e médicos a comemorar, entusiasmados, uma vitória
contra o câncer.
Não é um dado isolado ou esporádico. As estatísticas oficiais exibem tendência percebida desde o
início da década de 90, com queda do número de mortes.
Nos últimos dez anos, o número
de mortes por câncer de mama,
por exemplo, caiu 25%.
A permanecer a tendência, teríamos, num curto prazo de três
anos, apenas nos Estados Unidos,
menos um Maracanã superlotado de vítimas do câncer.
Explicam a festejada curva declinante os avanços tecnológicos,
hábeis em detectar melhor os tumores -mas, em especial, a terapia da palavra.
Na terapia da palavra, autoridades públicas, médicos, cientistas, educadores e até publicitários
martelam a relação direta entre
câncer e tabaco.
Numa luta desigual contra os
milhões em propaganda da indústria do fumo, conseguem passar a mensagem e inibir, em parte, o vício.
O resultado está aí. Menos fumo, menos tumores.
Martelam também dados sobre
a importância de exames periódicos para o diagnóstico precoce,
decisivo ao melhor tratamento.
A mensagem só prospera graças
aos meios de comunicação, que,
se, por um lado, aceitam a propaganda de cigarro, por outro,
abrem espaço às advertências sobre seus perigos.
Mesmo que parciais, as vitórias
contra o câncer contam como o
simples ato de educar salva vidas
e transforma palavras em remédio.
Por mais estranho que pareça,
esse é o ângulo mais adequado
para analisar a entrevista do empresário Silvio Santos, publicada
em Veja.
Na sua franqueza, ele deixou
claro, com rara transparência,
quais as forças que impulsionam
a TV aberta no Brasil, no vale-tudo pela audiência.
Indagado sobre se um empresário de comunicação não deveria
"levar cultura ao povo", Silvio
respondeu: "Temos de dar ao povo o que o povo quer. Se for mulher com pouca roupa, será mulher com pouca roupa".
Logo em seguida, acrescentou:
"Na minha emissora, eu não interfiro. Cada um faz o programa
do jeito que quer. Quem fala é o
número. Quem dá ibope pode
mostrar o que quer".
Em nome do Ibope e da vontade
popular, seja ela qual for, um dos
mais importantes empresários de
comunicação do país topa quase
tudo por dinheiro.
A palavra, assim, só tem sentido
e relevância se render publicidade
-não saber.
É a lógica de mercado, alegam;
é o caminho inescapável do sucesso que, em maior ou menor grau,
orienta os meios de comunicação,
mais visíveis na TV, devido à sua
audiência popular.
O valor à palavra me faz resvalar, aqui, num campo minado,
além da batida responsabilidade
social do empresário e dos supostos deveres de quem tem o privilégio de uma concessão pública.
Na entrevista, Silvio Santos informou ser judeu. Nenhum povo
foi vítima por tanto tempo de perseguições tão profundas -o que
nos fez ter medo ou, no mínimo,
receio, da vontade popular sem limite, açulada pelas elites políticas.
Nascemos com a obrigação de
dar satisfação, de nos defender,
acusados de matadores de Jesus e
gananciosos, gente disposta a
controlar o planeta com maligna
inteligência.
Desfazer preconceitos, educar,
conscientizar integra a própria
noção de sobrevivência, numa
batalha verbal contra o racismo e
a intolerância.
Aprendemos, desde cedo, que a
palavra cura com a mesma eficiência com que mata.
Na luta pela sobrevivência,
transmitiu-se de geração em geração, em meio às crônicas fugas,
que a maior riqueza que um indivíduo consegue carregar é o conhecimento.
Consequência óbvia, o transmissor de conhecimento -o educador e o professor -sobe no pedestal, numa reverência ao poder
do verbo. Está aí uma das molas
de propulsão do progresso intelectual dos judeus, assim como de
qualquer nação.
Essa mola explica por que nações que colocaram no pedestal os
professores, a começar pelos do
ensino fundamental, são mais ricas.
Pela terapia da palavra, ensina-se como driblar da miséria ao
câncer.
Filho de imigrantes europeus,
Silvio Santos, exemplo de trabalhador incansável, tem uma notável história -a de um camelô
que virou empresário de sucesso.
Mas, certamente, essa trajetória
brilhante não existiria se aquele
camelô não tivesse recebido a
educação que recebeu dos pais,
chegando a técnico de contabilidade -na época, grau de qualificação alto para um trabalhador.
Silvio Santos é apenas o showman de uma nação que não
aprendeu ainda essa lição básica.
PS - Na próxima semana, estarei no Canadá cobrindo para a
Folha e para o UOL o maior encontro já realizado sobre negócios
e educação. Haverá uma cobertura em tempo real, que poderá ser
acessada pela página do Aprendiz
(www.aprendiz.com.br).
O leitor já pode acessar hoje, pelo Aprendiz, um dossiê sobre as
últimas novidades de tecnologia
educacional, com dicas sobre cursos à distância.
E-mail gdimen@uol.com.br
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