São Paulo, terça-feira, 21 de maio de 2002

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MARILENE FELINTO

Moto, perua, camelô e lixo

Parece um pesadelo. Parece que nunca mais eles vão sair das ruas, que nunca mais vai haver calçadas, beleza, limpeza; parece que nunca mais vai haver um sistema de transporte decente, amplo o bastante para tirar das ruas o amontoado de carros, lotações clandestinas, motocicletas de escapamento aberto.
São os governos, os governantes. A culpa é da droga dos governos. Em São Paulo, por exemplo -mais precisamente na Grande São Paulo, onde vivem quase 10% da população brasileira-, o governador Alckmin se recusou, semana passada, a bancar, junto com a prefeitura, a ampliação do metrô. Como é que um governante pode se recusar a ampliar o metrô de uma cidade de trânsito caótico como São Paulo?
A esculhambação não é nova, apenas alastrou-se, saiu das cercanias dos mercados municipais ou das feiras dos grandes centros urbanos para todos os cantos. A cidade -a de São Paulo, por exemplo- é uma coisa meio sem lei. Tem leis para uns lugares, não tem para outros.
A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) de São Paulo, por exemplo, multa ou guincha carros estacionados irregularmente numa grande alameda do centro da cidade (Barão de Limeira), mas faz vista grossa para as transversais dessa mesma alameda. Nessas ruas, lojas de motocicletas usadas (verdadeiros desmanches desse tipo de veículo roubado) espalham as motos pela via pública e pelas calçadas, sem medo de punição. A CET é um dos órgãos mais ineficientes da administração municipal paulista, em todas as gestões. Quem quiser que experimente solicitar seus serviços: os funcionários são arrogantes e fazem corpo mole para atender os cidadãos. Só sabem multar.
Voltemos aos lumpens, ao submundo de camelôs, perueiros e motoqueiros mal-educados, que infesta a metrópole e se espalha sobre ela feito uma segunda mancha de poluição.
"Lúmpen", o nome vem do alemão ("lumpen"), língua dura e exata, sem perdão. Fazer o que com essa ruma de párias sociais? Jogá-los onde? Onde despejar o lixo e os bandidos que eles atraem e acumulam em volta deles? O dicionário explica: "Lumpesinato", ou "lumpemproletariado", é o nome que se dá, na sociologia marxista, à camada social carente de consciência política, constituída pelos operários que vivem na miséria extrema e por indivíduos direta ou indiretamente desvinculados da produção social e que se dedicam a atividades marginais.
Em São Paulo, nas administrações de Maluf e Pitta, a praxe era se livrar dos camelôs arrastando-os das ruas, descendo o cacete, como se diz, até escorrer sangue da cabeça dos infelizes. Era plantar cachorros e guardas municipais na avenida Paulista. De nada adiantava a truculência. Os lumpens voltavam sempre.
Na administração Marta Suplicy, a tática parece ser a da conversa. Fiscais de coletes vermelhos, em grande número, tiram, de vez em quando, a malta de hippies decadentes, vendedores de bijuterias, que transforma a praça da República (região central) numa fedentina. A tática é igualmente burra. De nada adianta. A marginália volta no dia seguinte.
Para não falar dos perueiros clandestinos, uns vândalos, muitas vezes. Portando radiocomunicadores e armas, lembram os exércitos de traficantes dos morros cariocas. Fazem o que querem no trânsito -eles e os motoqueiros. A cidade é um inferno. O lúmpen é o defeito mais visível dessa realidade urbana socialmente construída, tijolo por tijolo, pelo modelo econômico exacerbado nesta era FHC: que torna ainda mais rico quem era rico e condena o pobre ao desemprego crônico, à precarização do trabalho, à baixa renda.


E-mail - mfelinto@uol.com.br



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