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MARILENE FELINTO
Moto, perua, camelô e lixo
Parece um pesadelo. Parece
que nunca mais eles vão sair
das ruas, que nunca mais vai haver calçadas, beleza, limpeza; parece que nunca mais vai haver
um sistema de transporte decente,
amplo o bastante para tirar das
ruas o amontoado de carros, lotações clandestinas, motocicletas de
escapamento aberto.
São os governos, os governantes.
A culpa é da droga dos governos.
Em São Paulo, por exemplo
-mais precisamente na Grande
São Paulo, onde vivem quase 10%
da população brasileira-, o governador Alckmin se recusou, semana passada, a bancar, junto
com a prefeitura, a ampliação do
metrô. Como é que um governante pode se recusar a ampliar o metrô de uma cidade de trânsito
caótico como São Paulo?
A esculhambação não é nova,
apenas alastrou-se, saiu das cercanias dos mercados municipais
ou das feiras dos grandes centros
urbanos para todos os cantos. A
cidade -a de São Paulo, por
exemplo- é uma coisa meio sem
lei. Tem leis para uns lugares, não
tem para outros.
A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) de São Paulo,
por exemplo, multa ou guincha
carros estacionados irregularmente numa grande alameda do
centro da cidade (Barão de Limeira), mas faz vista grossa para
as transversais dessa mesma alameda. Nessas ruas, lojas de motocicletas usadas (verdadeiros desmanches desse tipo de veículo
roubado) espalham as motos pela
via pública e pelas calçadas, sem
medo de punição. A CET é um
dos órgãos mais ineficientes da
administração municipal paulista, em todas as gestões. Quem
quiser que experimente solicitar
seus serviços: os funcionários são
arrogantes e fazem corpo mole
para atender os cidadãos. Só sabem multar.
Voltemos aos lumpens, ao submundo de camelôs, perueiros e
motoqueiros mal-educados, que
infesta a metrópole e se espalha
sobre ela feito uma segunda mancha de poluição.
"Lúmpen", o nome vem do alemão ("lumpen"), língua dura e
exata, sem perdão. Fazer o que
com essa ruma de párias sociais?
Jogá-los onde? Onde despejar o lixo e os bandidos que eles atraem e
acumulam em volta deles? O dicionário explica: "Lumpesinato",
ou "lumpemproletariado", é o
nome que se dá, na sociologia
marxista, à camada social
carente de consciência política,
constituída pelos operários que
vivem na miséria extrema e por
indivíduos direta ou indiretamente desvinculados da produção social e que se dedicam a atividades marginais.
Em São Paulo, nas administrações de Maluf e Pitta, a praxe era
se livrar dos camelôs arrastando-os das ruas, descendo o cacete, como se diz, até escorrer sangue da
cabeça dos infelizes. Era plantar
cachorros e guardas municipais
na avenida Paulista. De nada
adiantava a truculência. Os lumpens voltavam sempre.
Na administração Marta Suplicy, a tática parece ser a da conversa. Fiscais de coletes vermelhos, em grande número, tiram,
de vez em quando, a malta de
hippies decadentes, vendedores
de bijuterias, que transforma a
praça da República (região central) numa fedentina. A tática é
igualmente burra. De nada
adianta. A marginália volta no
dia seguinte.
Para não falar dos perueiros
clandestinos, uns vândalos, muitas vezes. Portando radiocomunicadores e armas, lembram os
exércitos de traficantes dos morros cariocas. Fazem o que querem
no trânsito -eles e os motoqueiros. A cidade é um inferno. O
lúmpen é o defeito mais visível
dessa realidade urbana socialmente construída, tijolo por tijolo, pelo modelo econômico exacerbado nesta era FHC: que torna
ainda mais rico quem era rico e
condena o pobre ao desemprego
crônico, à precarização do trabalho, à baixa renda.
E-mail - mfelinto@uol.com.br
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