São Paulo, segunda-feira, 21 de junho de 2004

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Ex-interno vira professor de teatro e ajuda na ressocialização

DA REPORTAGEM LOCAL

Uns o xingam de "Febem". Outros o saúdam como "Dom Quixote". Assim Peterson Xavier, 21, é recebido pelas ruas de Itaquera (zona leste), bairro de baixa renda de São Paulo onde cresceu e vive com o pai e os irmãos.
As reações contrárias -ora de preconceito, ora de admiração- são explicadas pela trajetória de Xavier, que, segundo ele próprio, até lembra a do personagem do cavaleiro errante. No bairro, Xavier vendia drogas desde os 15 anos. Foi preso por roubo e depois por tráfico -Itaquera ficou na oitava colocação entre os bairros que tinham maior número de internos por esse tipo de crime em maio do ano passado.
Na última prisão, o jovem já era "gerente" -abastecia vários pontos de venda- e foi flagrado pela polícia com 18 quilos de maconha em uma sacola. Na Febem, Xavier teve contato com o personagem Dom Quixote em aulas de teatro. Ganhou o papel de protagonista na peça "Num Lugar de la Mancha, Amores e Aventuras de Dom Quixote", texto do espanhol Mario García-Guillén baseado em "Dom Quixote de la Mancha", de Miguel de Cervantes (1547-1616).
Quando deixou a fundação, no final de 2000, Xavier virou ator e professor de teatro e hoje monitora jovens em situação de risco e outros ex-internos da Febem atendidos em oficinas culturais realizadas pelo Instituto Religare, em São Paulo. Entre eles, outros adolescentes da periferia que também foram atraídos pelo tráfico -alguns da zona norte e até do Jardim Brasil.
"De todos os crimes, o mais sedutor é o tráfico", definiu Xavier. Foi nesse tipo de crime que o jovem resolveu apostar aos 15 anos, quando perdeu o emprego de aprendiz de eletricista. Os colegas de futebol viraram comparsas.
Por causa de uma dívida de droga, Xavier pegou uma arma e foi roubar uma empresa. O parceiro foi preso na hora e Xavier, dias depois. Após quatro meses, saiu e voltou a traficar. "Um pai de família leva um mês para ganhar o que você ganha em uma noite. Mas o dinheiro vinha e ia fácil", afirmou.
Seis meses depois, Xavier carregava 18 quilos de maconha dentro de uma sacola quando foi abordado por policiais.
Com o teatro, o jovem diz que aprendeu o significado do personagem e se identificou. "Ele [Dom Quixote] teve a coragem de abandonar tudo que achava errado."
Os relatos de Xavier fazem parte também do projeto de ressocialização de ex-internos por meio da arte. "Aqui a reincidência é zero", disse a presidente do Instituto Religare, Valéria di Pietro, de 53 anos de idade e 34 de teatro. (GP)


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