São Paulo, quinta-feira, 21 de junho de 2007

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Planos têm acesso a dado sigiloso de paciente

Pelo novo sistema da Agência Nacional de Saúde, todas as guias de consultas e de exames poderão conter o tipo de doença

Entidades médicas temem que as operadoras criem listas com pacientes que geram mais gastos, vetando alguns procedimentos

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um novo sistema implantado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) permite que planos de saúde acessem dados sigilosos do paciente. Ao menos 40 milhões de brasileiros usam o sistema privado.
A mudança colocou em pé de guerra entidades médicas e operadoras. A principal polêmica do modelo Tiss (Troca de Informações de Saúde Suplementar) é o fato de que, desde 1º de junho, todas as guias de consultas e de exames poderão conter o tipo de doença do paciente -traduzida por um código chamado de CID (Classificação Internacional de Doenças).
Antes, não havia essa padronização, já que uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) proíbe a prática por considerar que ela fere o sigilo entre o médico e o paciente.
Segundo a ANS, o sistema foi criado para nortear o intercâmbio de dados entre os planos e os prestadores de serviço, melhorar a qualidade de gestão e coletar informações epidemiológicas, necessárias para o planejamento de políticas de saúde. Algumas operadoras já fazem essa exigência ao médico, apesar da resolução.
Entidades como o CFM, a AMB (Associação Médica Brasileira) e o Idec (defesa do consumidor) temem que, com esses dados, as operadoras criem listas com pacientes que geram mais gastos (como os crônicos), vetando procedimentos e impondo sanções a médicos (como o descredenciamento).
Em maio, já sabendo da mudança, o CFM editou uma resolução em que proíbe os médicos de pôr o CID ou o tempo de doença do paciente nas guias da Tiss de consulta e de solicitação de exames de seguradoras. Cita, entre outros, artigos do Constituição, do Código Penal e do Código Civil, que garantem o direito à intimidade.
A ANS alega que, nesse momento, o preenchimento da CID no formulário de papel por médicos não é obrigatório, precisando ainda da anuência do paciente. Mas, quando as guias forem eletrônicas -o prazo final é novembro de 2008-, o diagnóstico deverá ser posto.
As entidades médicas defendem que, na forma atual, não há garantia de que a revelação não vá prejudicar o paciente ou o médico, que pode ser processado por quebra de sigilo.
"A decisão de divulgar ou não a doença é uma questão de foro íntimo", afirma Florisval Meinão, da AMB.
Para Aloísio Tibiriçá Miranda, conselheiro do CFM, a ANS se omite. "A ANS deixou o campo aberto para que as operadoras exijam dos médicos a revelação da doença. Um dos pilares da relação médico e paciente é o sigilo profissional."
O conselho apóia a iniciativa da ANS de promover estudos epidemiológicos do sistema, mas defende que, antes de tudo, é preciso proteger o paciente do uso indevido de seus dados médicos. "Se a idéia é ter informações epidemiológicas, não precisa relacionar o nome do paciente ao atendimento. Basta notificar a doença", sugere Geraldo Luiz Moreira Guedes, outro conselheiro do CFM.
Em nota, a ANS informa que a questão da privacidade "não tem razão de ser". "O preenchimento do campo referente à CID permanece opcional nas guias de consulta e só pode ser efetuado com autorização do beneficiário."


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