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Gerente que preferiu ficar e salvar colegas é enterrado sob aplauso de 300 pessoas
Raimundo Paccó/Folha Imagem
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Aurélia Rodrigues Santos Silva, no enterro do filho, ontem, em SP |
LAURA CAPRIGLIONE
FABIANO SEVERO
DA REPORTAGEM LOCAL
Se toda tragédia tem seu herói, o do vôo JJ 3054 atende pelo nome de José Antônio Rodrigues Santos Silva, gerente de
cargas da TAM Express, enterrado ontem às 12h30 no cemitério Congonhas (zona sul de
São Paulo) sob os aplausos de
cerca de 300 colegas, além dos
familiares.
Santos Silva estava na TAM
Express, vizinha ao aeroporto
de Congonhas, na última terça-feira, quando o prédio foi atropelado pelo avião desgovernado. Fazia uma reunião de trabalho. Em vez de descer as escadas, como fizeram os demais
funcionários em desespero, o
gerente preferiu ir para o piso
superior, de onde vinham gritos de socorro.
"Caiu um avião na nossa cabeça. Tô aqui, tentando ajudar
as pessoas." Estas foram as últimas palavras que a atual companheira de Santos Silva, Giselle Garcia, escutou do marido.
Ela telefonou para o celular dele assim que viu pela TV, por
volta das 19h, as cenas do incêndio que acontecia nas proximidades do aeroporto. Não
houve conversa entre os dois.
Depois das duas frases curtas
acima, a ligação caiu. Giselle
não conseguiu mais restabelecer o contato.
Segundo o pessoal da TAM
Express presente ao enterro, a
funcionária Michele Dias Miranda, também morta no acidente, foi uma das pessoas que
Santos Silva tentou salvar. Outro é um funcionário de nome
Valdinei, que segue internado
com queimaduras. Parentes
dele fizeram questão de ir ao
enterro de Santos Silva, como
forma de agradecer pela ajuda
no momento decisivo.
Santos Silva foi encontrado
pelos bombeiros jogado no segundo andar, inconsciente e
com o corpo enegrecido pela
fuligem e pelas queimaduras.
Não respirava -tinha as vias
aéreas queimadas e entupidas-, o que exigiu procedimentos de ressuscitação.
Rafael Mendonça Santos Silva, 21, filho caçula do gerente,
assistiu ao incêndio pela TV.
Como todo mundo, lamentou o
acidente, mas estava tranqüilo.
Até onde ele sabia, o pai trabalhava em Brasília. De vez em
quando, vinha a São Paulo, mas
não tinha dado sinal de que o
faria naquela terça-feira.
Foi só no dia seguinte que o
rapaz foi informado de que o
pai estava, sim, no prédio sinistrado -ele acabara de conseguir a tão desejada transferência para São Paulo e estava
guardando a surpresa para contar, nos dias seguintes, aos filhos de seu primeiro casamento. Enfim os encontros familiares voltariam a ser semanais.
Rafael foi ao hospital Jabaquara e encontrou o pai enfaixado, dependente de aparelhos,
sem quaisquer reações a dor,
sem responder a estímulos
-em coma profundo. Duas paradas cardiorrespiratórias depois, estava morto.
"Meu pai não precisava estar
lá. Ele quis salvar as pessoas e
morreu como herói", disse o
primogênito Vitor Mendonça
Santos Silva, 24, no discurso de
despedida no cemitério. Ele teve de interromper a fala duas
vezes por causa do choro. Vitor
lamenta a perda da agenda do
pai, administrador de empresas formado pela PUC-SP e homem superorganizado. "Lá ele
anotava cada delicadeza que
devia fazer a alguém -e era
muita gente que ele lembrava
de telefonar para saber como
estava, para cumprimentar pelo aniversário, para perguntar
se precisava de alguma coisa.
Infelizmente, essa agenda de
gentilezas se perdeu."
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