São Paulo, sábado, 21 de julho de 2007

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Gerente que preferiu ficar e salvar colegas é enterrado sob aplauso de 300 pessoas

Raimundo Paccó/Folha Imagem
Aurélia Rodrigues Santos Silva, no enterro do filho, ontem, em SP


LAURA CAPRIGLIONE
FABIANO SEVERO
DA REPORTAGEM LOCAL

Se toda tragédia tem seu herói, o do vôo JJ 3054 atende pelo nome de José Antônio Rodrigues Santos Silva, gerente de cargas da TAM Express, enterrado ontem às 12h30 no cemitério Congonhas (zona sul de São Paulo) sob os aplausos de cerca de 300 colegas, além dos familiares.
Santos Silva estava na TAM Express, vizinha ao aeroporto de Congonhas, na última terça-feira, quando o prédio foi atropelado pelo avião desgovernado. Fazia uma reunião de trabalho. Em vez de descer as escadas, como fizeram os demais funcionários em desespero, o gerente preferiu ir para o piso superior, de onde vinham gritos de socorro.
"Caiu um avião na nossa cabeça. Tô aqui, tentando ajudar as pessoas." Estas foram as últimas palavras que a atual companheira de Santos Silva, Giselle Garcia, escutou do marido. Ela telefonou para o celular dele assim que viu pela TV, por volta das 19h, as cenas do incêndio que acontecia nas proximidades do aeroporto. Não houve conversa entre os dois. Depois das duas frases curtas acima, a ligação caiu. Giselle não conseguiu mais restabelecer o contato.
Segundo o pessoal da TAM Express presente ao enterro, a funcionária Michele Dias Miranda, também morta no acidente, foi uma das pessoas que Santos Silva tentou salvar. Outro é um funcionário de nome Valdinei, que segue internado com queimaduras. Parentes dele fizeram questão de ir ao enterro de Santos Silva, como forma de agradecer pela ajuda no momento decisivo.
Santos Silva foi encontrado pelos bombeiros jogado no segundo andar, inconsciente e com o corpo enegrecido pela fuligem e pelas queimaduras. Não respirava -tinha as vias aéreas queimadas e entupidas-, o que exigiu procedimentos de ressuscitação.
Rafael Mendonça Santos Silva, 21, filho caçula do gerente, assistiu ao incêndio pela TV. Como todo mundo, lamentou o acidente, mas estava tranqüilo. Até onde ele sabia, o pai trabalhava em Brasília. De vez em quando, vinha a São Paulo, mas não tinha dado sinal de que o faria naquela terça-feira.
Foi só no dia seguinte que o rapaz foi informado de que o pai estava, sim, no prédio sinistrado -ele acabara de conseguir a tão desejada transferência para São Paulo e estava guardando a surpresa para contar, nos dias seguintes, aos filhos de seu primeiro casamento. Enfim os encontros familiares voltariam a ser semanais.
Rafael foi ao hospital Jabaquara e encontrou o pai enfaixado, dependente de aparelhos, sem quaisquer reações a dor, sem responder a estímulos -em coma profundo. Duas paradas cardiorrespiratórias depois, estava morto.
"Meu pai não precisava estar lá. Ele quis salvar as pessoas e morreu como herói", disse o primogênito Vitor Mendonça Santos Silva, 24, no discurso de despedida no cemitério. Ele teve de interromper a fala duas vezes por causa do choro. Vitor lamenta a perda da agenda do pai, administrador de empresas formado pela PUC-SP e homem superorganizado. "Lá ele anotava cada delicadeza que devia fazer a alguém -e era muita gente que ele lembrava de telefonar para saber como estava, para cumprimentar pelo aniversário, para perguntar se precisava de alguma coisa. Infelizmente, essa agenda de gentilezas se perdeu."


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