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São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2003

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PASQUALE CIPRO NETO

Nomes de nomes

Há alguns meses, escrevi sobre uma questão do último vestibular da Fuvest que exigia dos candidatos o domínio da nomenclatura gramatical básica. O mote era a afirmação (presente no comentário de um jornal) de que o título do filme "Aluga-se Moças" contém "um dos maiores erros ortográficos já vistos no cinema brasileiro". A banca queria saber se o comentário feito pelo jornal é justificável do ponto de vista gramatical.
Vimos que o tal comentário é injustificável, porque não há erro ortográfico algum em "Aluga-se Moças". Como se sabe, a ortografia (o nome já o diz) se ocupa da grafia correta. No título do filme, o que está em discussão é a concordância verbal, área relativa aos capítulos da sintaxe.
Essa questão da Fuvest parece deixar claro que a banca considera necessário o domínio da nomenclatura gramatical básica. E, pelo jeito, não é só a Fuvest que pensa assim. Em seu vestibular de meio de ano, a Unesp (Universidade Estadual Paulista) fez uma questão semelhante, baseada neste trecho da carta de um leitor a um jornal: "Há anos que existe vazamentos tóxicos em todos os rios do país, causando danos à fauna e à flora. Precisamos sair da inércia ou essa situação levará-nos a um desastre completo!".
Depois de afirmar que, "nesse texto, há duas situações em que a norma padrão do português do Brasil é infringida", a banca pedia ao candidato o seguinte: "Identifique as áreas da gramática em que ocorrem esses problemas: concordância, regência, pontuação, colocação pronominal, ortografia etc.". Em seguida, os examinadores pediam ao candidato que redigisse novamente o texto, corrigindo-o.
Pois bem, caro leitor, já sabe quais são as duas situações a que se refere a questão? Vamos lá. A primeira diz respeito à passagem "existe vazamentos". O verbo "existir" deve concordar com o seu sujeito, que, no caso, é "vazamentos". A forma correta, portanto, é "existem vazamentos". O que temos aí é um problema relativo à concordância (verbal).
E a segunda situação? Está na passagem "levará-nos", em que ocorre ênclise (pronome átono posto depois do verbo). A forma verbal "levará", do futuro do presente, impede a ênclise. Feita de acordo com a norma padrão do português do Brasil, a correção é esta: "...ou essa situação nos levará a um desastre completo!".
A esta altura, talvez alguém queira perguntar sobre a hipótese da mesóclise ("...ou essa situação levar-nos-á a um desastre completo!"). A mesóclise -pronome átono ("me", "te", "se", "lhe", "nos" etc.) posto no meio do verbo- ainda é muito comum em Portugal, sobretudo na escrita. Entre nós, está longe de poder ser declarada um defunto, mas não é de uso frequente.
A questão da Fuvest e a da Unesp deixam claro que quem quer ser aprovado nesses vestibulares deve conhecer a nomenclatura gramatical básica, o que não significa entupir-se de gramatiquices. É óbvio que esse conhecimento não basta. Como também fica claro pelas questões (que exigem que o aluno reescreva, comente etc.), é preciso saber operar com esse conhecimento. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


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