São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2005

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OUTRO RUMO

Valdir, 12, volta a dormir em sua casa

Em projeto de ONG de São Mateus, garoto deixa de pedir esmolas e passa a freqüentar a escola

DA REPORTAGEM LOCAL

O pai morreu numa chacina na frente de sua casa, na favela de Vila Flávia, em São Mateus, um dos bairros mais pobres de São Paulo. Já a mãe, grávida do oitavo filho, está desempregada e faz bicos como faxineira.
Com essa família desestruturada, o destino de Valdir*, 12, poderia ser semelhante ao de seu irmão mais velho, que cumpre medida socioeducativa por roubo. Ou do vizinho que mora do outro lado do fétido córrego que corta a favela, preso por tráfico.
Mas, desde janeiro, o garoto voltou a estudar e a dormir na casa da família. Está aos poucos trocando a esmola da rua pelo jogo de bola e as visitas à lan-house do bairro com os amigos.
Uma mudança de comportamento cujos méritos devem ser creditados em grande parte à ONG Ação Social São Mateus -uma das 350 entidades parceiras da prefeitura-, que trabalha com 130 crianças no projeto Da Rua para a Vida Cidadã.
Seus monitores vão às ruas em busca de um contato com as crianças. Com jogos e brincadeiras, tentam atraí-los para a sede da entidade, onde promovem leituras, sessões de vídeos e outras atividades educativas.
Lá, misturam-se garotos com discurso agressivo que moram literalmente na rua a outros que estão progressivamente voltando ao convívio familiar.
Sintomático dessa dicotomia, um mural de desenhos produzidos por eles põe lado a lado cenas de cotidianos violentos (com armas e sangue) e aspirações tão simples como as de Valdir, que um dia quer ser um empregado assalariado -ele pintou com lápis de cor o funcionário recebendo o pagamento do patrão.
Se estivesse entre as 344 crianças do estudo realizado pela Prefeitura de São Paulo neste ano, o garoto teria passeado pelas estatísticas, pois já foi considerado um trabalhador de rua (como 53% desses garotos), uma criança sem vínculo familiar (como 16,5%) e mesmo independente (como 7,5% deles).
Em processo de reintegração, ele alterna comportamentos agressivos ("adoro aquele joguinho de computador em que o objetivo é roubar armas e matar policiais") com atitudes mais maduras ("tem uns moleques que falam grosso em ser bandidões, mas não vão ser nada na vida"). É, enfim, uma criança que voltou a sonhar. (FS)


*nome fictício

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