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OUTRO RUMO
Valdir, 12, volta a dormir em sua casa
Em projeto de ONG de São Mateus, garoto deixa de pedir esmolas e passa a freqüentar a escola
DA REPORTAGEM LOCAL
O pai morreu numa chacina
na frente de sua casa, na favela
de Vila Flávia, em São Mateus,
um dos bairros mais pobres de
São Paulo. Já a mãe, grávida do
oitavo filho, está desempregada
e faz bicos como faxineira.
Com essa família desestruturada, o destino de Valdir*, 12,
poderia ser semelhante ao de seu
irmão mais velho, que cumpre
medida socioeducativa por roubo. Ou do vizinho que mora do
outro lado do fétido córrego que
corta a favela, preso por tráfico.
Mas, desde janeiro, o garoto
voltou a estudar e a dormir na
casa da família. Está aos poucos
trocando a esmola da rua pelo
jogo de bola e as visitas à lan-house do bairro com os amigos.
Uma mudança de comportamento cujos méritos devem ser
creditados em grande parte à
ONG Ação Social São Mateus
-uma das 350 entidades parceiras da prefeitura-, que trabalha com 130 crianças no projeto Da Rua para a Vida Cidadã.
Seus monitores vão às ruas em
busca de um contato com as
crianças. Com jogos e brincadeiras, tentam atraí-los para a sede
da entidade, onde promovem
leituras, sessões de vídeos e outras atividades educativas.
Lá, misturam-se garotos com
discurso agressivo que moram
literalmente na rua a outros que
estão progressivamente voltando ao convívio familiar.
Sintomático dessa dicotomia,
um mural de desenhos produzidos por eles põe lado a lado cenas de cotidianos violentos (com
armas e sangue) e aspirações tão
simples como as de Valdir, que
um dia quer ser um empregado
assalariado -ele pintou com lápis de cor o funcionário recebendo o pagamento do patrão.
Se estivesse entre as 344 crianças do estudo realizado pela Prefeitura de São Paulo neste ano, o
garoto teria passeado pelas estatísticas, pois já foi considerado
um trabalhador de rua (como
53% desses garotos), uma criança sem vínculo familiar (como
16,5%) e mesmo independente
(como 7,5% deles).
Em processo de reintegração,
ele alterna comportamentos
agressivos ("adoro aquele joguinho de computador em que o
objetivo é roubar armas e matar
policiais") com atitudes mais
maduras ("tem uns moleques
que falam grosso em ser bandidões, mas não vão ser nada na
vida"). É, enfim, uma criança
que voltou a sonhar.
(FS)
*nome fictício
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