São Paulo, sexta-feira, 21 de agosto de 2009

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Carrefour troca segurança após agressão

Empresa também afastou gerência de loja em Osasco onde cliente diz ter sido agredido por vigias quando estava em seu próprio carro

"Eles simplesmente acharam que um homem negro como eu não poderia estar dentro de um EcoSport", diz Januário Alves de Santana


LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Doze dias após um homem negro acusar seguranças da loja de Osasco de tê-lo espancado, sob a acusação de tentar roubar o próprio carro, o Carrefour tomou as primeiras providências: anunciou o afastamento da gerência da loja e a substituição da empresa de segurança, a Nacional de Segurança Ltda.
A direção do Carrefour passou todo o dia reunida em uma espécie de gabinete de crise, para decidir como proceder em relação ao episódio, o segundo a repercutir na mídia em menos de um mês (no dia 6, um pedreiro foi morto por seguranças do Dia%, de propriedade da rede, acusado de furtar produtos no valor de R$ 26).
"Eles simplesmente acharam que um homem negro como eu não poderia estar dentro de um Ford EcoSport", disse Januário Alves de Santana, 39, músico amador (é tecladista), pai de quatro filhos, evangélico, há oito anos agente de segurança da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. "Se eu estivesse em um fusquinha velho, eles achariam adequado, OK. Mas em um EcoSport? O racismo deles não permite isso."
O EcoSport prata em nome da mulher de Santana, a servidora da USP Maria dos Remédios Santana, 41, foi comprado em 72 prestações de R$ 789,44.
Eram 22h22 do dia 7 (segundo o tíquete do estacionamento) quando Santana chegou ao Carrefour no carrão "impossível". Estava com Remédios, a filha Esther, 2, o filho Samuel, 5, a irmã e o marido dela.
Remédios sugeriu que o marido ficasse no carro com Esther, que dormia. Ele percebeu que, no estacionamento, uma moto estava com o alarme anti-roubo gritando e piscando.
Saiu do carro para ver o que ocorria e viu cinco ou seis homens que se esgueiravam. Achou que fossem ladrões -lembrou-se da moto.
O grupo começou a cercá-lo. Santana travou as portas do carro com a filha dentro. Encurralado pelo grupo, acabou jogado ao chão por um dos homens -segundo ele, armado com a revólver calibre 38.
"Eu achava que já estava morto. Mas consegui que o homem soltasse a arma, exatamente quando os demais chegaram. Um pôs o pé no meu pescoço. Os demais lançaram-se sobre meu corpo, enquanto gritavam "ladrão, ladrão"."
O quê? O segurança da USP lembra que ficou confuso e perguntou aos homens quem eles eram: "Ladrão ou polícia?"
"Fiquei feliz com a resposta. Era só dizer a eles que eu também era segurança, e aquele pesadelo terminaria." Mas aí começaram as coronhadas na cabeça, os chutes, os murros na boca. "É você que está "puxando" [roubando] moto?, ladrão", gritavam os homens enquanto perguntavam: "O que você fazia dentro do EcoSport, ladrão?"
Levado para uma salinha da segurança, lá continuou a pancadaria. Até ontem, Santana ainda tinha os dentes amolecidos e cuspia sangue -as próteses quebraram-se dentro da boca e rasgaram-lhe as gengivas.
Foi quando chegaram os dois policiais militares chamados pelo Carrefour. Santana acusa um em particular -"Pina". "Você tem cara de que tem pelo menos umas três passagens. Não adianta negar. Fala que vai ser melhor", dizia o PM.
"Eu implorava para chamarem minha mulher pelo sistema de som. Dizia que meus documentos estavam no carro."
Depois de muita insistência, a polícia concordou. No caminho, a mulher viu o marido e confirmou a história dele. "Todos sumiram de repente. O Januário caiu no chão ensanguentado, exausto, sem socorro", lembra Remédios, que estava com o filho Samuel.
O menino está orgulhoso. Com cinco anos, acha que o pai enfrentou bandidos e derrotou-os. "Ele ainda não sabe que era todo mundo supostamente "do bem'", lamenta a mãe.
Santana foi atendido no hospital da USP. Fez boletim de ocorrência. A Secretaria de Segurança informa que instaurou inquérito. O Carrefour diz que "repudia a violência e o desrespeito". Que "preza e entende que o que tem de mais valioso é o compromisso com a segurança e bem estar de seus clientes e de todos os públicos com que se relaciona." A empresa Nacional de Segurança foi procurada à noite. Ninguém atendia no telefone que consta em seu site.


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