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PERFIL PATRÍCIA ACIOLI
Sem limites
Obcecada pelo trabalho, juíza morta na região metropolitana do Rio com 21 tiros era considerada rígida e impulsiva dentro e fora do tribunal
DIANA BRITO
ITALO NOGUEIRA
MARCO ANTÔNIO MARTINS
DO RIO
Quando ouvia comentários sobre a criação de um novo Tribunal do Júri em São
Gonçalo, a juíza Patrícia Lourival Acioli, torcia o nariz.
Único tribunal da cidade, é
o que mais faz júris no Estado
-o dobro de alguns da capital. Mesmo assim, ela achava
que nenhum outro magistrado se empenharia como ela
nos processos.
Dedicada, a juíza -morta
com 21 tiros no dia 11- tinha
relação quase pessoal com os
processos que conduzia. Era
considerada centralizadora
e, para alguns, se excedia ao
inquirir os réus.
A principal suspeita para o
crime é que Patrícia, 47, tenha sido assassinada pelo
que, formalmente, não fazia:
condenar grupos de extermínio, milícias e quadrilhas formadas por policiais.
No Tribunal do Júri, o futuro dos réus não dependia dela, mas sim dos jurados. O
responsável por colocá-los
naquela situação é o Ministério Público, que os denuncia.
Na teoria, a ela caberia apenas aplicar a pena.
Por ser a única juíza, personificou as condenações
numa das cidades mais violentas do Rio. Definiu a pena
de cerca de 70 policiais nos 12
anos que ficou à frente da 4ª
Vara Criminal de São Gonçalo. Recebeu mais de 30 informes sobre ameaças.
"Ela gostava muito do trabalho", conta o enteado de
20 anos, que conviveu com
ela desde os três anos. Ele
também decidiu cursar direito, apesar da resistência dela. "Ela dizia: "Não faça, que
você vai sofrer"."
TEMPERAMENTO FORTE
Obsessiva com o trabalho,
chegava cedo e não tinha hora para sair, conta o técnico
Claudio Castro, que trabalhava em seu gabinete.
"Ela estaria de férias neste
mês, mas, pela segunda vez
no ano, quis continuar no
trabalho", diz Castro.
Em audiências, por vezes,
ameaçou prender testemunhas, réus e até peritos quando suspeitava que estivessem mentindo. Para alguns
advogados, cometia "abuso
de poder". Para colegas, ela
"não aceitava ser enrolada".
Mas sempre evitava deixar o
réu com algemas no tribunal.
O temperamento forte
também se manifestava fora
da corte. Ao ver um namorado ser ameaçado de morte
durante uma festa de rua,
perseguiu o algoz até sua casa e chamou a polícia para
prendê-lo em flagrante. Após
um tempo de discussão, desistiu da medida.
Foi repreendida pelo então presidente do Tribunal de
Justiça, desembargador Luiz
Zveiter, por supostamente
"pegar testemunhas, levar
para uma sala e determinar o
que deveriam dizer". Não
aceitou a bronca.
Patrícia se envolvia pessoalmente com os casos que
julgava. Quando defensora
pública, adotou informalmente três adolescentes que
atendera. Durante o jogo entre Brasil e Chile no Maracanã em 1989, atracou-se com
um PM que agredia um jovem. Acabou na delegacia.
ANTES DO TRIBUNAL
Para colegas de faculdade,
a juíza mantinha a determinação com que lutava por
seus ideais na faculdade:
"defender os pobres contra a
injustiça social".
Participou do centro acadêmico da Faculdade de Direito da Uerj (Universidade
do Estado do Rio de Janeiro).
Com colegas, expulsou um
professor da sala de aula por
discordar de seus métodos.
Gostava de andar "à vontade": usava calça jeans, blusinha de malha, sandália rasteira ou sapatilha.
"Nunca conheci uma pessoa que não se importasse
com consumismo como ela.
Nunca vi Patrícia usando
joias, sapato alto ou bolsa de
grife. Gostava só de brincos,
cuidar dos cabelos e um batonzinho", lembrou a amiga
Rosana Chagas, juíza.
Flamenguista, Patrícia
gostava de esportes radicais.
Escalou a pedra da Gávea e
queria saltar de parapente.
Casou-se com Wilson Júnior em 1993. Eles se conheceram em Volta Redonda,
onde iniciara a magistratura.
Ficaram juntos por 11 anos.
Em 2004, iniciou relacionamento com o cabo Marcelo
Poubel, que fazia sua segurança. Mantiveram o namoro
até fevereiro, e o haviam retomado recentemente.
Em razão das ameaças, a
juíza mantinha uma pistola
em casa. Treinava tiro, mas
não a levava ao trabalho.
POLICIAIS
Após passar por varas da
Infância e da Juventude, assumiu em 1999 a 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, a segunda maior cidade do Estado. O município convive com
disputa entre milícias, grupos de extermínio, máfia de
vans e traficantes. Por comandar o único Tribunal do
Júri da cidade -responsável
por julgar crimes contra a vida-, Patrícia participava de
todos esses processos.
Fez pós-graduação em justiça criminal e segurança pública na UFF (Universidade
Federal Fluminense). Numa
das aulas, discutiu com um
major que defendia a política
de confronto. E desabafou
sobre uma das suas atividades: julgar PMs.
"[Prender PM] é o que eu
faço todo dia. Justamente por
isso, eu fico muito mal. Muitas vezes, eu vejo um policial
sentado... Um homem honrado, uma pessoa de bem tomando 40 anos de prisão
porque ninguém do Estado
vai lá para dizer que foi ele
que deu essa orientação."
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