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URBANIDADE
Paixão da estrada
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Luciano Duarte Bortoluzzi
estava longe de ser um candidato ideal a marido ou pai. A
bordo de uma velha Parati, ele
viajava, sem parar, por pequenas cidades do Brasil e da América do Sul, apresentando peças
improvisadas em praças públicas -todo o cenário cabia dentro de seu automóvel. Dormia
em barracas ou hotéis baratos à
beira de estrada; no bagageiro,
além de todo o seu guarda-roupa, levava um pequeno fogão
para cozinhar. Para sobreviver,
passava o chapéu depois de cada
espetáculo. "Meu prazer é encenar em lugares em que as pessoas nunca foram a um teatro.
Sou viciado em estrada."
Esse vício não estava em seus
planos. Antes de virar um ser errante, ele veio de Porto Alegre,
onde integrava uma banda de
rock, para estudar canto. Tinha
planos de estudar canto, mas
acabou na Escola de Arte Dramática da USP e tornou-se um
palhaço andarilho. Depois de
três anos de andanças solitárias,
estava na chapada dos Guimarães, em Mato Grosso, onde encenou sua peça. Na platéia, estava Cecília Kawall, uma bailarina paulistana que morava por
lá. Ela tinha se formado em danças étnicas com o coreógrafo
Ivaldo Bertazzo e viajava pelo
Brasil à procura de coreografias
nativas. Era formada em acupuntura e em massagens
orientais.
Cecília, quando menina, tinha
um enorme prazer em trabalhar
num circo montado nos fundos
da casa de um tio que morava
em Ubatuba. "Era meu melhor
momento nas férias. Toda a meninada das redondezas vinha
nos ver." As lembranças infantis
ajudaram-na também a mudar
de rota e a se tornar parceira artística e mulher de Luciano, dançando nos espetáculos. "Mudamos a lenda: desta vez, a bailarina não fugiu com o trapezista.
Fugiu com o palhaço." Para ganhar uns trocados, Cecília estende uma maca na praça e oferece
serviços de massagem.
Numa parada estratégica, o
casal apresenta-se, aos domingos, na praça Roosevelt, no centro de São Paulo, com a peça
"Esperando Lima"; Lima é um
músico que nunca aparece. Estão dando um tempo (e esperando para coletar dinheiro) até
voltar, mais uma vez, para a estrada. Talvez o grupo aumente
-eles estão se esforçando para
ter um filho. "Essa criança,
quando vier, já vai nascer na estrada", aposta Cecília. E, pelo
jeito, também a bordo da velha
Parati.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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