São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 2008

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BARBARA GANCIA

Deixa a vida me levar...


Se o sócio do Paulistano não quer ver Zeca Pagodinho, que não vá ao show. Por que esse medo irracional do sambista?

A MELHOR FRASE que ouvi nos últimos dias veio da comediante Joy Behar, que substituiu a Larry King em seu programa de entrevistas na rede CNN. Falando sobre a derrota do casamento gay no Estado da Califórnia, Behar disse: "Gay is the new black", ou seja, o homossexual é o novo negro.
Se o negro já pode ocupar o cargo mais importante do planeta, o de presidente dos EUA, ele pode tudo. E a minoria discriminada da vez passa a ser a que engloba os gays, as lésbicas e as outras "colorações" diversas sobre esse mesmo tema.
Além de engraçada, a frase faz todo o sentido do mundo. Quando o presidente eleito Barack Obama nasceu, há 47 anos, o casamento interracial (entre negros e brancos) ainda era considerado crime em 15 Estados norte-americanos.
Hoje, a própria discussão sobre raça tornou-se obsoleta. Sabemos (ao menos, aqueles de nós com dois ou mais neurônios para chamar de seus) que raça não existe.
E que, a não ser que você seja um daqueles tocadores de banjo do filme "Deliverance" ("Amargo Pesadelo") que ainda sobrevivem em alguns rincões escondidos dos EUA, esse assunto não será de grande relevância para você.
O leitor mais exaltado dirá que, para os norte-americanos, o negro, assim como o latino, serão sempre cidadãos de segunda categoria, Barack Obama na presidência ou não. Nesse caso, serei forçada a apontar o dedo para o nosso próprio cafofo.
Explico: às vésperas do Dia da Consciência Negra, o colega Vinícius Queiroz Galvão assinou reportagem, neste caderno Cotidiano, relatando que a ouvidoria do Club Athletico Paulistano, um dos maiores de SP, está recebendo queixas de sócios que não querem a presença de Zeca Pagodinho em apresentação de fim de ano no clube.
Teve sócio desgostoso chamando Pagodinho de "cachaceiro", dizendo que ele deveria "se apresentar no Corinthians" e até alertando para que a presença dele no clube abriria as portas para bailes funk.
A mim parece clara a posição desses sócios: pagodeiro e pobre não só não são bem-vindos no círculo deles como constituem uma ameaça. É o mito do negro estuprador sendo vivido em sua plenitude. Pois na minha modestíssima opinião, se o sócio do Paulistano não quer ver a fuça do Pagodinho, que não vá ao show. Por que esse medo irracional do sambista?
Veja: por sua atuação irresponsável como garoto-propaganda de bebida alcoólica, eu não confiaria meu cão a Zeca Pagodinho para dar uma volta no quarteirão. Mas a música dele é divina e uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Comentei o causo no meu blog (que, aliás, está esperando a sua visita) e um internauta, também sócio do Paulistano, que escreveu para dizer que há muitos anos, em um jogo de tênis mirim entre o seu clube e a Hebraica, os jogadores do Paulistano receberam os adversários "vestindo camisetas estampadas com suásticas".
Pois quer saber? Se dependesse de mim, o sócio do Paulistano que não quer a presença de Zeca Pagodinho deveria ganhar dois presentes no Natal: um saco de carvão e entradas para a família toda, com presença obrigatória, em show musical do Roberto Justus. Deixa a vida me levar!

barbara@uol.com.br
www.barbaragancia.com.br



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