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São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 2003

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GOVERNO LULA

Programa, prometido durante a campanha eleitoral, esbarra na resistência de laboratórios e gestores do SUS

Lançamento do Farmácia Popular emperra

FABIANE LEITE
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Chove e Joana, com o filho no colo, sai da farmácia cabisbaixa, pois não tinha dinheiro para comprar o remédio para o bebê. Maria, rica, deixara o local pouco antes, com sua sacola de medicamentos. "Tem duas coisas que não podem faltar nunca. Comida e remédio", comenta o então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva, na propaganda que lançou o Farmácia Popular na campanha eleitoral, em 2002.
Se a história de Joana e Maria tivesse uma sequência, Joana estaria ainda debaixo de chuva, com o filho doente no colo. O programa, que prevê a venda de remédios a preços mais baixos que o das farmácias, ainda não deslanchou.
Um ano depois, o governo, que agora promete o lançamento para janeiro de 2004, mantém o Farmácia Popular a sete chaves. Proibiu os diretamente envolvidos de falarem sobre o tema e deixa uma série de questões em aberto. Não solucionou ainda a mais importante -como obter remédios mais baratos em escala suficiente para atender as farmácias.
A proposta original do Farmácia Popular, de garantir o abastecimento com a produção dos 18 laboratórios oficiais, já foi adaptada em razão das limitações do setor. No governo, fala-se agora em recorrer aos genéricos, negociando preços ainda mais baixos -algo visto como inviável pelos produtores. Uma das idéias, de reduzir ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre uma lista específica de remédios, prevista na emenda tributária, ficou para 2005.
Da indústria farmacêutica, vêm críticas de que não é sensato abrir farmácias populares num país que tem 56 mil farmácias privadas. E de que não faz sentido investir em laboratórios públicos quando os privados estão ociosos.
A idéia enfrenta, ainda, a resistência de usuários, gestores e trabalhadores do SUS (Sistema Único de Saúde), que temem um enfraquecimento da universalidade do sistema e da já alquebrada rede pública de concessão de remédios -hoje são mais de 60 mil farmácias em postos e hospitais.
"Seja o que for, entendo que o programa é insuficiente. Por isso é que questiono até que ponto ele não é uma espécie de Fome Zero do medicamento, que leva à focalização, em detrimento de programas universais", diz Clair Castilhos Coelho, professora-adjunta do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina e coordenadora da 1ª Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, realizada em setembro.
O relatório final da conferência, que por lei serve para dar diretrizes às políticas públicas do setor, não veta o projeto, mas também não o estimula. Em resumo, reforça a necessidade de fortalecer as farmácias do SUS.
"Existe uma preocupação enorme em garantir o financiamento das farmácias básicas da saúde. E que o programa não seja sinônimo de desabastecimento", diz Luiz Odorico Monteiro de Andrade, presidente do Conasems (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde), para quem "falta clareza" ao projeto.
Os municípios cobram aumento dos repasses do incentivo federal para compra de remédios básicos. "Esses R$ 3 por habitante/ano são muito pouco. Como implementar o Farmácia Popular sem comprometer uma política que já tem dificuldades?"
Pesquisa do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), feita em 11 cidades e divulgada em 2002, mostrou que em todas as 50 unidades de saúde visitadas faltava pelo menos um dos 61 remédios pesquisados. A disponibilidade dos remédios foi de 55,4%, em média. Dos brasileiros, 30% dependem totalmente da assistência médica e farmacêutica do SUS.

Origem
Segundo estimativa do Ministério da Saúde, 53% da população não pode comprar medicamentos. Estudos no Rio de Janeiro mostram que 50% das reinternações ocorrem por interrupção do tratamento. Entre os pacientes, 80% dos que recebem alta não conseguem comprar os remédios.
Durante a campanha eleitoral, o Farmácia Popular foi apresentado como carro-chefe das ações para o aumento do acesso a remédios.
As origens do programa remontam ao governo de Miguel Arraes, em Pernambuco, quando remédios produzidos pelo laboratório estatal Lafepe eram vendidos a preço de custo.
A idéia, que já era defendida por parlamentares do PT, ganhou a simpatia do marqueteiro Duda Mendonça, que explorou a imagem da farmácia com prateleiras cheias e preço baixo também na campanha de Paulo Maluf ao governo de São Paulo em 98 e retomou a idéia com Lula.



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