São Paulo, quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

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OUTROS OLHOS

Liminar deu à aposentada, paciente terminal de câncer, o direito de recorrer em liberdade da condenação por tráfico

Após 4 meses de prisão, Iolanda vai para casa

Caio Guatelli/Folha Imagem
Iolanda em sua casa, em Campinas, ao lado de Claudia (mulher de um de seus netos) e do bisneto Carlos


GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de quatro meses e 11 dias na cadeia, 19 quilos a menos e um câncer de ovário e de intestino ainda mais agravado, a ex-bóia-fria Iolanda Figueiral, 79, cruzou o portão de sua casa no começo da madrugada de ontem, amparada por familiares e vizinhos.
Era o fim de uma agonia que começou em agosto, quando ela e o filho foram acusados de tráfico de drogas, um crime equiparado ao hediondo -está sujeito ao mesmo rigor da Lei de Crimes Hediondos, como o seqüestro e o assassinato com crueldade.
Uma liminar (decisão provisória) concedida anteontem pelo desembargador Jarbas João Coimbra Mazzoni, do Tribunal de Justiça de São Paulo, deu a Iolanda o direito de recorrer da condenação em liberdade. O drama de Iolanda foi revelado pela Folha em 28 de novembro.
No último dia 5, ela e o filho receberam uma pena de quatro anos -policiais encontraram 19 pedras de crack na casa dela, na periferia de Campinas (95 km de SP). Os dois negam o crime e afirmam que a droga foi jogada por um desconhecido pouco antes da chegada da polícia. A defesa de Iolanda recorreu da condenação.
Na decisão, o desembargador afirma que concedeu a liminar "em caráter excepcional" levando em conta os argumentos da defesa -Iolanda está em fase terminal de câncer, tem residência fixa e atividade lícita. Na prática, ela fica em liberdade até que o processo seja julgado em última instância. "Foi uma decisão justa e sábia. Porque a Justiça também tem de ser humana e enxergar as pessoas pobres", afirmou o advogado de Iolanda, Rodolpho Pettená Filho.
Em pedidos anteriores, a 6ª Vara Criminal de Campinas e o próprio Tribunal de Justiça negaram a liberdade a Iolanda quando ela era ainda presa provisória -sem condenação. O juiz da 6ª Vara Criminal de Campinas, José Guilherme Di Rienzo Marrey, diz que apenas aplicou o texto da Lei de Crimes Hediondos, que veta a liberdade provisória para os crimes de tráfico de drogas. Também sustentou que a presa tinha tratamento médico adequado. O Tribunal de Justiça, naquela ocasião, acompanhou esse pensamento.
A Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo e a família de Iolanda iniciaram uma campanha para sua liberdade.
No novo habeas corpus ao TJ, Pettená Filho afirma que anexou mais laudos sobre a gravidade da doença. "Ela não é uma presa de alta periculosidade. Está em fase terminal e não merecia morrer na prisão, longe da família", diz.

Notícia
Iolanda diz que, na tarde de anteontem, tinha recém se deitado devido a nova crise de dor quando uma funcionária da penitenciária feminina na capital paulista disse que tinha uma novidade. Fez suspense até que a presa chegasse à sala da assistente social.
"Só aí disseram que eu estava livre. Era só colocar o dedão nos papéis [ela é analfabeta] que minha família poderia me buscar", disse Iolanda. "Foi um alívio, mas também fiquei triste pelo meu filho, que continua preso."
Cláudia Pereira, 37, mulher de um dos netos de Iolanda, foi a primeira pessoa da família a saber da concessão da liberdade. Ela recebeu uma ligação em seu celular às 18h de anteontem. "Estava no ponto de ônibus, e comecei a gritar e a chorar", afirmou.
Nilton Campos de Almeida, 56, o filho mais velho de Iolanda -ela tem quatro filhos, 15 netos e 15 bisnetos-, ficou sabendo minutos depois. "Não deu para controlar a alegria. Esse foi o nosso grande presente de Natal."
Pesando 33 quilos -antes de ser presa, eram 52-, Iolanda chegou em casa no começo da madrugada de ontem. Desde então, o local passou a reunir familiares e vizinhos. A família de Iolanda cata papelão e tem dificuldade inclusive para comprar as bolsas de colostomia que ela utiliza. Ontem, uma bolsa arrebentou e foi remendada e recoberta por uma sacola plástica de supermercado.
Vizinhos doaram comida. "A gente vai precisar da ajuda de todos para cuidar dela", diz Cláudia.


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