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PASQUALE CIPRO NETO
O trema, redivivo
Ausente das páginas da
Folha há mais de uma década, na semana passada o trema
ressurgiu no jornal. Abolido da
ortografia oficial de Portugal em
janeiro de 1946, o trema faz parte
do sistema ortográfico vigente em
nosso país. Na sessão de 12 de
agosto de 1943, a Academia Brasileira de Letras aprovou as "Instruções para a Organização do Vocabulário Ortográfico da Língua
Portuguesa". O trema está lá,
num dos itens do capítulo XII
("Acentuação Gráfica").
De acordo com as normas vigentes, quando se deve usar esse
bendito sinal diacrítico, a que os
antigos chamavam "diérese"? Vamos ao próprio texto oficial: "Emprega-se o trema no u que se pronuncia depois de g ou q e seguido
de e ou i: agüentar, argüição, eloqüente, tranqüilo, etc.".
Moral da história: há trema em
"ambigüidade", "exigüidade" ou
"iniqüidade", mas não há em
"ambíguo", "exíguo" ou "iníquo", por exemplo. E por quê?
Porque a regra do trema se fundamenta num princípio muito
simples: diferenciar o que deve ser
diferenciado. O "u" dos grupos
"que", "qui", "gue" e "gui" ora é
lido (em "sagüi" e "argüir", por
exemplo), ora não é lido (em "distinguir" e "extinguir", por exemplo). Nos grupos "qua", "quo",
"gua" e "guo", o "u" é lido sempre. Se o "u" de "aquoso" não fosse pronunciado, não se escreveria
"aquoso", mas "acoso".
Francamente, não morro de
amores pelo sinalzinho, mas, útil
ou inútil, ele faz parte do sistema
ortográfico vigente, portanto...
A esta altura, talvez seja conveniente lembrar a pronúncia padrão de algumas palavras problemáticas, a começar por duas, já
citadas: "extinguir" e "distinguir". Embora muita gente leia o
"u" desses dois verbos, os dicionários e o "Vocabulário Ortográfico" não registram essa pronúncia,
ou seja, registram apenas a forma
sem o trema, o que significa que a
última sílaba do infinitivo desses
verbos se lê como a de "conseguir", "seguir", "perseguir" etc.
Na primeira pessoa do singular
do presente do indicativo, ocorrem as formas "extingo/distingo",
e não "extinguo/distinguo", que
ocorreriam se o "u" do infinitivo
fosse pronunciado. Com "argüir",
por exemplo, ocorre a forma "arguo" (que se lê "argúo").
O caro leitor já ouviu falar de
"qüiproquó", que vem do latim e,
na definição do "Aurélio", significa "confusão de uma coisa com
outra", "situação cômica ou faceta resultante de equívoco(s)"?
Pois bem, como se lê "qüiproquó"? Lê-se o que está escrito, ou
seja, pronuncia-se o "u" nas suas
duas ocorrências, embora só haja
trema no primeiro (por motivos
que já vimos neste texto).
Agora, voltemos ao texto oficial
("Emprega-se o trema no u que se
pronuncia...") para uma importante observação: falta nele a palavra "atonamente", que deveria
surgir depois de "pronuncia". Na
verdade, o trema só aparece no
"u" dos grupos citados quando esse "u" é átono; quando é tônico,
ocorre acento agudo: "argúi",
"argúis", "averigúe", "averigúes",
"obliqúe", "obliqúes".
Os exemplos são do próprio texto das "Instruções", mas aparecem em outro item, bem distante
do que trata do trema. Nele, lê-se
o seguinte: "Assinala-se com
acento agudo o u tônico precedido de g ou q e seguido de e ou i".
Bem, caro leitor, idiossincrasias
à parte, cumpri meu papel, o de
explicar por que e como se usa (e
não se usa) o bendito sinal. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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