São Paulo, quinta-feira, 22 de janeiro de 2004

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PASQUALE CIPRO NETO

O trema, redivivo

Ausente das páginas da Folha há mais de uma década, na semana passada o trema ressurgiu no jornal. Abolido da ortografia oficial de Portugal em janeiro de 1946, o trema faz parte do sistema ortográfico vigente em nosso país. Na sessão de 12 de agosto de 1943, a Academia Brasileira de Letras aprovou as "Instruções para a Organização do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa". O trema está lá, num dos itens do capítulo XII ("Acentuação Gráfica").
De acordo com as normas vigentes, quando se deve usar esse bendito sinal diacrítico, a que os antigos chamavam "diérese"? Vamos ao próprio texto oficial: "Emprega-se o trema no u que se pronuncia depois de g ou q e seguido de e ou i: agüentar, argüição, eloqüente, tranqüilo, etc.".
Moral da história: há trema em "ambigüidade", "exigüidade" ou "iniqüidade", mas não há em "ambíguo", "exíguo" ou "iníquo", por exemplo. E por quê? Porque a regra do trema se fundamenta num princípio muito simples: diferenciar o que deve ser diferenciado. O "u" dos grupos "que", "qui", "gue" e "gui" ora é lido (em "sagüi" e "argüir", por exemplo), ora não é lido (em "distinguir" e "extinguir", por exemplo). Nos grupos "qua", "quo", "gua" e "guo", o "u" é lido sempre. Se o "u" de "aquoso" não fosse pronunciado, não se escreveria "aquoso", mas "acoso".
Francamente, não morro de amores pelo sinalzinho, mas, útil ou inútil, ele faz parte do sistema ortográfico vigente, portanto...
A esta altura, talvez seja conveniente lembrar a pronúncia padrão de algumas palavras problemáticas, a começar por duas, já citadas: "extinguir" e "distinguir". Embora muita gente leia o "u" desses dois verbos, os dicionários e o "Vocabulário Ortográfico" não registram essa pronúncia, ou seja, registram apenas a forma sem o trema, o que significa que a última sílaba do infinitivo desses verbos se lê como a de "conseguir", "seguir", "perseguir" etc.
Na primeira pessoa do singular do presente do indicativo, ocorrem as formas "extingo/distingo", e não "extinguo/distinguo", que ocorreriam se o "u" do infinitivo fosse pronunciado. Com "argüir", por exemplo, ocorre a forma "arguo" (que se lê "argúo").
O caro leitor já ouviu falar de "qüiproquó", que vem do latim e, na definição do "Aurélio", significa "confusão de uma coisa com outra", "situação cômica ou faceta resultante de equívoco(s)"? Pois bem, como se lê "qüiproquó"? Lê-se o que está escrito, ou seja, pronuncia-se o "u" nas suas duas ocorrências, embora só haja trema no primeiro (por motivos que já vimos neste texto).
Agora, voltemos ao texto oficial ("Emprega-se o trema no u que se pronuncia...") para uma importante observação: falta nele a palavra "atonamente", que deveria surgir depois de "pronuncia". Na verdade, o trema só aparece no "u" dos grupos citados quando esse "u" é átono; quando é tônico, ocorre acento agudo: "argúi", "argúis", "averigúe", "averigúes", "obliqúe", "obliqúes".
Os exemplos são do próprio texto das "Instruções", mas aparecem em outro item, bem distante do que trata do trema. Nele, lê-se o seguinte: "Assinala-se com acento agudo o u tônico precedido de g ou q e seguido de e ou i".
Bem, caro leitor, idiossincrasias à parte, cumpri meu papel, o de explicar por que e como se usa (e não se usa) o bendito sinal. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras

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