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TRANSPLANTE
Em e-mail, coordenador de sistema nacional determinou busca internacional de doador para uma paciente
Ministério pressionou, diz demissionário
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
O diretor demissionário do Cemo (Centro de Transplante de
Medula Óssea) do Inca (Instituto
Nacional de Câncer), Daniel Tabak, apresentou em sua carta de
demissão um e-mail do coordenador-geral do SNT (Sistema Nacional de Transplantes), Diogo
Mendes, como suposta prova de
interferência política na determinação de pacientes que teriam
prioridade para fazer exames de
busca de doadores compatíveis.
No e-mail, de 23 de novembro
do ano passado, Mendes determina à chefe do Redome (Registro
de Doadores de Medula Óssea),
Iracema Salatiel de Alencar, que
dê procedimento à busca internacional de um doador para o caso
de uma paciente. O Redome é vinculado ao Cemo, do Inca. O SNT é
um órgão do Ministério da Saúde.
A Folha teve acesso ao e-mail,
que tem o seguinte teor: "Proceder, imediatamente, a continuidade da busca internacional, também no NMDP [Registro Nacional de Medula Óssea dos Estados
Unidos], já que o diretor do Cemo
afirmou na última reunião que
nada impede o Redome de buscar
doadores também no NMDP".
Processo caro
O processo de busca de um doador é caro porque é preciso fazer
exames sofisticados de compatibilidade entre o receptor e vários
prováveis doadores. Como o Inca
não tem recursos para realizar todas as buscas ao mesmo tempo,
os pacientes entram numa lista de
atendimento definida por critério
de gravidade ou por ordem cronológica de inscrição.
"A determinação em proceder a
realização dos exames da referida
paciente de forma enérgica, como
documentado na mensagem eletrônica, reflete tratamento diferenciado por parte do coordenador do SNT", diz Tabak na carta.
A suposta interferência política
de Mendes fez com que Tabak e
ele tivessem uma árdua discussão
no dia 16 de dezembro, testemunhada pelo diretor-geral do Inca,
José Gomes Temporão.
De acordo com Tabak, ao ser
questionado sobre a interferência,
Mendes disse que "agia por determinação direta do presidente da
República em exercício", referindo-se a José Alencar.
Tabak atribui ainda ao diretor
do Departamento de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, Arthur Chioro, a seguinte frase: "Este é o ônus de ser governo, e
para ser governo é preciso ter jogo
de cintura".
Confirmação
Temporão, ouvido ontem pela
Folha, confirma que o diálogo
aconteceu: "De fato, o diálogo que
está registrado na carta do doutor
Tabak aconteceu. Resta saber, e
isso tem de ser perguntado ao
doutor Diogo, em que contexto
aquelas palavras foram ditas, se
correspondem à verdade e se
houve essa interferência toda.
Houve um diálogo exacerbado
entre os dois e parte dele foi transcrito na carta do doutor Tabak".
O diretor-geral do Inca reitera,
no entanto, que não há nenhuma
evidência de que as pressões resultaram em alteração da ordem
de realização dos exames.
"O cotidiano de quem trabalha
numa instituição de saúde como
o Inca é receber pressão da família, de conhecidos ou de políticos.
A pressão é legítima. O problema
é quando você, por causa da pressão, prejudica um paciente e favorece outro. É isso que a sindicância [do Ministério da Saúde] vai
apurar", diz Temporão.
Suspeitas
Até o momento, foram divulgadas na imprensa e na carta de Tabak três suspeitas. A primeira seria uma suposta pressão do deputado Antônio Serafim Venzon
(PSDB-SC) em favor de um paciente de Santa Catarina.
Venzon afirmou à Folha e a outros veículos de comunicação que
procurou o Ministério da Saúde e
agradeceu publicamente ao ministro Humberto Costa pela agilidade do atendimento do paciente.
Costa nega ter conversado com
Venzon e ameaça processá-lo.
A segunda denúncia partiu de
Tabak. Ele afirma que o Ministério da Saúde, para beneficiar um
paciente de Recife cujo avô conhecia o ministro, credenciou o
Real Hospital Português de Beneficência em Pernambuco contrariando um parecer seu.
O Ministério da Saúde afirma
que agiu corretamente porque o
credenciamento salvou a vida do
paciente e porque a decisão era
baseada em um parecer de outro
representante do órgão.
Tabak sustenta que a fila dos
transplantes foi furada a partir do
momento em que o hospital passou a receber recursos do SUS e
que, por essa razão, deveria obedecer aos critérios do Cemo. O
hospital diz que o procedimento
foi pago pela seguradora do paciente, e não pelo SUS, o que descaracterizaria favorecimento.
A terceira suspeita é com relação ao caso da paciente que teria
contado com a pressão do coordenador-geral do Sistema Nacional de Transplantes, Diogo Mendes, em nome da Vice-Presidência da República. Nesse caso, há
como suposta prova de pressão o
e-mail de Mendes, mas não há
prova de que a paciente foi atendida na frente de outros.
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