São Paulo, quinta-feira, 22 de janeiro de 2004

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TRANSPLANTE

Em e-mail, coordenador de sistema nacional determinou busca internacional de doador para uma paciente

Ministério pressionou, diz demissionário

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

O diretor demissionário do Cemo (Centro de Transplante de Medula Óssea) do Inca (Instituto Nacional de Câncer), Daniel Tabak, apresentou em sua carta de demissão um e-mail do coordenador-geral do SNT (Sistema Nacional de Transplantes), Diogo Mendes, como suposta prova de interferência política na determinação de pacientes que teriam prioridade para fazer exames de busca de doadores compatíveis.
No e-mail, de 23 de novembro do ano passado, Mendes determina à chefe do Redome (Registro de Doadores de Medula Óssea), Iracema Salatiel de Alencar, que dê procedimento à busca internacional de um doador para o caso de uma paciente. O Redome é vinculado ao Cemo, do Inca. O SNT é um órgão do Ministério da Saúde.
A Folha teve acesso ao e-mail, que tem o seguinte teor: "Proceder, imediatamente, a continuidade da busca internacional, também no NMDP [Registro Nacional de Medula Óssea dos Estados Unidos], já que o diretor do Cemo afirmou na última reunião que nada impede o Redome de buscar doadores também no NMDP".

Processo caro
O processo de busca de um doador é caro porque é preciso fazer exames sofisticados de compatibilidade entre o receptor e vários prováveis doadores. Como o Inca não tem recursos para realizar todas as buscas ao mesmo tempo, os pacientes entram numa lista de atendimento definida por critério de gravidade ou por ordem cronológica de inscrição.
"A determinação em proceder a realização dos exames da referida paciente de forma enérgica, como documentado na mensagem eletrônica, reflete tratamento diferenciado por parte do coordenador do SNT", diz Tabak na carta.
A suposta interferência política de Mendes fez com que Tabak e ele tivessem uma árdua discussão no dia 16 de dezembro, testemunhada pelo diretor-geral do Inca, José Gomes Temporão.
De acordo com Tabak, ao ser questionado sobre a interferência, Mendes disse que "agia por determinação direta do presidente da República em exercício", referindo-se a José Alencar.
Tabak atribui ainda ao diretor do Departamento de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, Arthur Chioro, a seguinte frase: "Este é o ônus de ser governo, e para ser governo é preciso ter jogo de cintura".

Confirmação
Temporão, ouvido ontem pela Folha, confirma que o diálogo aconteceu: "De fato, o diálogo que está registrado na carta do doutor Tabak aconteceu. Resta saber, e isso tem de ser perguntado ao doutor Diogo, em que contexto aquelas palavras foram ditas, se correspondem à verdade e se houve essa interferência toda. Houve um diálogo exacerbado entre os dois e parte dele foi transcrito na carta do doutor Tabak".
O diretor-geral do Inca reitera, no entanto, que não há nenhuma evidência de que as pressões resultaram em alteração da ordem de realização dos exames.
"O cotidiano de quem trabalha numa instituição de saúde como o Inca é receber pressão da família, de conhecidos ou de políticos. A pressão é legítima. O problema é quando você, por causa da pressão, prejudica um paciente e favorece outro. É isso que a sindicância [do Ministério da Saúde] vai apurar", diz Temporão.

Suspeitas
Até o momento, foram divulgadas na imprensa e na carta de Tabak três suspeitas. A primeira seria uma suposta pressão do deputado Antônio Serafim Venzon (PSDB-SC) em favor de um paciente de Santa Catarina.
Venzon afirmou à Folha e a outros veículos de comunicação que procurou o Ministério da Saúde e agradeceu publicamente ao ministro Humberto Costa pela agilidade do atendimento do paciente. Costa nega ter conversado com Venzon e ameaça processá-lo.
A segunda denúncia partiu de Tabak. Ele afirma que o Ministério da Saúde, para beneficiar um paciente de Recife cujo avô conhecia o ministro, credenciou o Real Hospital Português de Beneficência em Pernambuco contrariando um parecer seu.
O Ministério da Saúde afirma que agiu corretamente porque o credenciamento salvou a vida do paciente e porque a decisão era baseada em um parecer de outro representante do órgão.
Tabak sustenta que a fila dos transplantes foi furada a partir do momento em que o hospital passou a receber recursos do SUS e que, por essa razão, deveria obedecer aos critérios do Cemo. O hospital diz que o procedimento foi pago pela seguradora do paciente, e não pelo SUS, o que descaracterizaria favorecimento.
A terceira suspeita é com relação ao caso da paciente que teria contado com a pressão do coordenador-geral do Sistema Nacional de Transplantes, Diogo Mendes, em nome da Vice-Presidência da República. Nesse caso, há como suposta prova de pressão o e-mail de Mendes, mas não há prova de que a paciente foi atendida na frente de outros.


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