São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2004

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GILBERTO DIMENSTEIN

Uma solução chamada bolsa-universidade

Ao propor a estatização de vagas nos cursos de faculdades privadas para facilitar o acesso de estudantes mais pobres ao ensino superior, o Ministério da Educação terá a oportunidade de ampliar uma das mais interessantes estratégias sociais já surgidas no país: a bolsa-universidade.
Em termos de engenharia de inclusão social, a bolsa-universidade está para o ensino superior como a bolsa-escola está para o ensino fundamental. Ainda pouco conhecida, a experiência, desenvolvida em São Paulo e em Goiás, é daquelas propostas que, pela simplicidade e pela eficiência, serão, mais cedo ou mais tarde, disseminadas. Daí o interesse pela experiência demonstrado pelo ministro Tarso Genro.
Para ter paga a sua mensalidade, o aluno é obrigado a prestar serviços comunitários. Não está, portanto, recebendo um favor, mas, sim, fazendo uma troca.
 
No caso de São Paulo, os custos da bolsa são repartidos entre o governo estadual e a faculdade. A contrapartida é trabalhar como educador em escolas públicas nos finais de semana. O programa conta com a parceria da Unesco e do Instituto Ayrton Senna na capacitação desses estudantes para atuar nas escolas.
Acaba de ser divulgada uma avaliação externa da Unesp (Universidade Estadual Paulista) sobre a experiência, realizada em São Paulo, de abrir as escolas públicas nos fins de semana -iniciativa que contou com a participação de universitários. Caíram os índices de violência, os furtos, as depredações e as pichações.
A participação dos universitários, na visão de pais, alunos e professores, foi apontada como "ótima". Mesmo assim, a avaliação dos técnicos é que muito ainda deve ser feito na formação desses estudantes como agentes comunitários de educação.
 
A experiência demonstrou ter, pelo menos, quatro óbvias vantagens: 1) o aluno sem recursos adquire condições de cursar uma faculdade; 2) o contato com um desafio concreto amplia habilidades profissionais e até intelectuais; 3) a escola pública ganha apoio de uma mão-de-obra qualificada; 4) o país produz mais gente com melhor formação educacional.
Em São Paulo, por exemplo, existe mais uma modalidade de contrapartida, que ainda está em teste. Em troca da bolsa, os estudantes são treinados para prestar serviço de atendimento nos hospitais, acolhendo e encaminhando os pacientes. Quem já teve o "privilégio" de ir a um hospital público sabe como é tumultuado o atendimento.
Para tornar-se um modelo, o projeto ainda tem muito a ser aperfeiçoado. Talvez o menor dos problemas seja o financeiro. Não é fácil capacitar os jovens, nem sempre as escolas estão preparadas para recebê-los e nem sempre a comunidade está disposta a se envolver. Discutível é também o fato de que muitas faculdades que recebem dinheiro pela bolsa são ruins e acabam usufruindo de recursos públicos.
 
Apesar dos naturais problemas de algo que se inicia, esse modelo de inclusão social é, até mesmo, uma alternativa para o ensino superior público. Os leitores desta coluna sabem que, há tempos, tenho apontado a injustiça da gratuidade universitária para alunos de classe média e alta. A cobrança de mensalidade é uma entre tantas alternativas de arrecadação de recursos.
É, naturalmente, difícil cobrar as mensalidades. Uma saída intermediária seria exigir a contrapartida em serviços comunitários, o que ampliaria os programas de extensão na universidade. Imagine quantas centenas de milhares de estudantes serviriam em creches, asilos, favelas, hospitais, escolas, cooperativas, museus, parques, centros de saúde.
 
Poucos debates são mais reveladores da verdadeira agenda nacional -essa que é feita nas ruas, e não nos gabinetes- do que as alternativas de acesso dos mais pobres ao ensino superior. A contemporaneidade aqui está na combinação do acesso mais democrático à universidade com a criação de mecanismos institucionais que possibilitam aos indivíduos o exercício de ações públicas capazes de tornar cada um responsável não só pelo seu destino mas também pelo de sua comunidade. Essa é, sem dúvida, uma resposta ao narcisismo coletivo e à sua reverência exacerbada ao individualismo.
Quem sai mais beneficiado dessa experiência é o estudante. Afinal, já se sabe que estudantes que se envolvem em desafios têm mais propensão a desenvolver habilidades profissionais -e o que as empresas querem hoje são pessoas capazes de lidar com problemas concretos.
 
PS - Muitas vezes, o principal custo da corrupção não é o financeiro, mas a energia que drena dos homens públicos, que, quando poderiam estar discutindo temas essenciais, são engolfados pelas questões éticas e morais. O que estamos presenciando é mais um exemplo dessa crônica dispersão. O caso Waldomiro Diniz abateu o governo e, a considerar as denúncias que se avolumam, vai abatê-lo ainda mais. O ministro da Educação, Tarso Genro, por exemplo, está neste momento mais preocupado em se defender das acusações (sem provas, diga-se) de que estaria envolvido em arrecadações de fundos clandestinas durante as eleições do que em implementar medidas que melhorem a universidade.

E-mail - gdimen@uol.com.br


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