São Paulo, segunda-feira, 22 de março de 2004

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CRISE DA ÁGUA

Na principal fonte de abastecimento de São Paulo, floresta deu lugar a condomínios, pastagens e indústrias

Cantareira tem 50% de sua área degradada

Moacyr Lopes Júnior/Folha Imagem
Marca da presença humana na bacia do sistema Cantareira: condomínio residencial na região de Bragança Paulista


MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL

Maior sistema de abastecimento da Grande São Paulo, o Cantareira -que atende metade da região metropolitana e cerca de 4 milhões de pessoas no interior do Estado e em Minas Gerais- já tem 50,4% da sua bacia (onde estão os rios e represas que o formam) alterada pelo homem e com atividades que de alguma forma comprometem a produção de água para o consumo. Quase 1.150 km2 de área apresentam algum nível de degradação.
A principal ameaça é a destruição da mata ciliar (na beira dos mananciais). O resultado disso é, ao longo do tempo, a diminuição do volume de água que chega aos reservatórios, os quais passam a demorar mais para voltar a encher depois das estações secas e, por isso, causam ou agravam crises no abastecimento público.
No lugar da floresta, que evita erosão e o conseqüente assoreamento dos rios, retém a chuva nos lençóis subterrâneos, aumentando seu volume, e funciona como um filtro, limpando a água, estão hoje áreas de agricultura, pastagens, solo exposto, mineração e indústrias, entre outros. E, apesar da fama de ser bem preservado, o Cantareira tem só 31% de sua bacia coberta por mata nativa -menos do que as represas Guarapiranga (48%) e Billings (52%) (zona sul da Grande SP).
O alerta é feito pelos primeiros dados de um diagnóstico que está sendo produzido pelo ISA (Instituto Socioambiental) e deve ser publicado no segundo semestre, a que a Folha teve acesso exclusivo.
A ONG parte de imagens de satélite e traça um perfil dos problemas na região, para, depois, buscar soluções conjuntas.
E, embora o ISA não avalie as conseqüências da degradação, ela é sentida empiricamente por quem vive na bacia do Cantareira e foi constatada pela medição das vazões médias (volume de água escoado) nos rios que o formam.
Segundo estudo feito por Jorge Marcos de Moraes, da Escola de Engenharia de Piracicaba e do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP, houve, desde a implantação do Cantareira, uma redução na vazão dos rios Piracicaba, Atibaia e Jaguari de 10%, 21% e 44%, respectivamente.

Perfil da ocupação
Das cinco bacias onde estão os reservatórios do Cantareira, as que mais sofrem com a degradação são as responsáveis pela maior parte da produção de água; e a que tem mais ocupação urbana é onde é feita a captação dos 33 mil litros de água por segundo que servem cerca de 9 milhões de moradores da Grande São Paulo.
Juntas, as áreas que circundam o reservatório Jaguari-Jacareí representam 61% dos terrenos degradados por usos impróprios. A represa produz 22 mil litros por segundo, ou 66% do total de água.
Já a região da represa Paiva Castro (na Grande São Paulo) concentra os aglomerados urbanos (68,8% do total). Essa área é, por sua vez, a segunda mais bem preservada, com 22,8% da mata atlântica remanescente do sistema Cantareira -isso, em grande parte, por causa do parque estadual na serra de mesmo nome.
A maior porcentagem de floresta nativa (39,5%) está, porém, na bacia do Jaguari, principalmente na serra da Mantiqueira, em Minas Gerais, onde o rio nasce.
Além da mata nativa, há expressivas áreas de reflorestamento comercial no Cantareira, principalmente na bacia do reservatório Cachoeira, onde 14,4% da região é ocupada por eucalipto e pinus. Para o ISA, é melhor isso do que nada, mas as culturas, usadas para atender sobretudo a carvoarias, consomem muita água.

Leis
A destruição das matas ciliares é ilegal. O Código Florestal estabelece como área de preservação permanente a faixa que, a partir da máxima margem de cada corpo d'água (rios, riachos, córregos e represas), vai de 30 a 100 m, dependendo do tipo de uso que será implantado naquele local.
Nesse raio, é proibido destruir a floresta existente e, mesmo no caso de áreas que antes eram pastagens e foram alagadas para virar reservatórios, a lei tem de ser cumprida, ou seja, se a mata já não existia, ela deve ser plantada, explica Hélio Luiz Castro, superintendente de produção de água da Sabesp (Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo).
A fiscalização, porém, é deficitária, admite Castro, e enfrenta, por outro lado, a oposição das prefeituras, que costumam autorizar a ocupação das regiões de mananciais para não abrir mão da arrecadação do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano).
Além do Código Florestal, os mananciais paulistas também são regulados por uma lei de proteção, criada nos anos 70 e atualizada no início nos anos 90. Ela estabelece que cada comitê ou subcomitê de bacia (que reúne governo, prefeitura e sociedade) terá de elaborar um plano diretor e uma lei específica, dizendo o que pode ser feito em cada trecho da área.
Esse processo, porém, engatinha e, no caso do Cantareira, esbarra no tamanho do sistema, que se alastra por duas bacias em São Paulo e tem 45% de sua área em Minas, onde nasce o rio Jaguari, principal formador da primeira das suas cinco represas.


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