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Bebê anencéfala será ícone em ato contra o aborto
Marcela de Jesus, 4 meses completados, será exemplo antiaborto em manifestação contra projeto de lei que descriminaliza a prática
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
A bebê anencéfala Marcela
de Jesus Galante Ferreira, que
completou quatro meses anteontem, virou motivo de preocupação do movimento pela
descriminalização do aborto e,
ao mesmo tempo, ícone dos
grupos em defesa da vida.
A sua sobrevida, incomum
aos anencéfalos, será usada como exemplo antiaborto em um
ato público, que acontece sábado, a partir das 10h30, na praça
da Sé, centro de São Paulo. Entre os nomes confirmados estão os do padre Marcelo Rossi,
do ex-arcebispo de São Paulo,
dom Cláudio Hummes, e do advogado Ives Gandra Martins.
O ato, organizado por grupos
católicos, espíritas e evangélicos, pretende reunir 15 mil pessoas e quer chamar a atenção
do Congresso Nacional, onde
tramita um projeto de lei que
descriminaliza o aborto.
"Queremos que os deputados
que compõem a nova comissão
de seguridade social e família
pensem duas vezes como vão
votar esse projeto e prestem
atenção no retrato da vontade
popular", diz a advogada Nadir
Pazin, coordenadora adjunta
do Comitê Estadual em Defesa
da Vida, um dos organizadores
do evento.
Para Pazin, o caso de Marcela
é emblemático para o movimento antiaborto porque ele
contrariou todas as expectativas médicas de que ela morreria logo após nascer. "Caiu por
terra a tese dos grupos feministas e de quem defende a legalização do aborto. Ela mostrou
que não é como a ciência quer,
mas sim como Deus quer."
Médicos, profissionais que
dirigem serviços de aborto legal
e militantes pela descriminalização do aborto pensam diferente. Para eles, o caso de Marcela é uma exceção e não pode
comprometer o direito de os
pais poderem optar pelo aborto
de fetos anencéfalos.
Porém, é evidente entre eles
a preocupação de que a sobrevivência da menina "atrapalhe"
futuras decisões judiciais sobre
a interrupção da gravidez de
anencéfalos. Hoje, o aborto pode ser feito mediante autorização judicial. O STF (Supremo
Tribunal Federal) deve decidir
no mérito se as mães de fetos
com anencefalia podem ou não
fazer o aborto, mas não há data
para essa decisão.
"Tememos que esse caso isolado e raro possa mudar a opinião do STF e que tudo que
conseguimos conquistar até
agora possa ficar embaçado por
esse caso", relata o ginecologista Jorge Andalaft Neto, responsável pelo serviço de aborto legal do Hospital Jabaquara.
A mesma preocupação é manifestada por Anaelise Abrão,
coordenadora do departamento de medicina fetal da Unifesp
(Universidade Federal de São
Paulo). "Temo porque há muitos juízes que julgam um fato
que não é da área deles. Com a
opinião pública mobilizada em
torno do caso [da bebê Marcela], eles ficam mais receosos em
conceder as autorizações."
Na avaliação da médica Fátima Oliveira, da Rede Feminista
de Saúde, é possível que a conquista pelo direito ao aborto de
anencéfalos "dê mais trabalho"
a partir do caso de Marcela.
Já a advogada Débora Diniz
prefere apostar na razoabilidade sistema jurídico brasileiro,
que não usaria uma "história
apaixonada" para apoiar uma
decisão tão importante.
"A Marcela é uma exceção.
Sobrevive por uma aposta de
intensa medicalização para
transformá-la em heroína. Se
tivesse tido alta do hospital,
provavelmente já estaria morta", opina Diniz.
A bebê usa capacete de oxigênio e ingere leite por sonda. Em
dezembro, sofreu uma parada
cardíaca e foi reanimada. Já teve também paradas respiratórias, convulsões e febres.
O ministro Marco Aurélio
Mello, relator da matéria no
STF, disse à Folha que não conhece o caso de Marcela e que o
episódio não deve mudar futuras decisões do Supremo.
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