São Paulo, domingo, 22 de março de 2009

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GILBERTO DIMENSTEIN

Não tem segredo


Quando o aprendizado das matérias se mescla com atividades lúdicas, os resultados aparecem

ESCREVI NESTE espaço, em dezembro passado, sobre um movimento liderado por um grupo de alunos e professores para evitar o fechamento de uma escola pública (Carlos Maximiliano, conhecida como Max) localizada a duas quadras da rua em que moro, na Vila Madalena -o que significa que está no trajeto das minhas caminhas diárias e eu podia assistir àquela experiência como se estivesse dentro de um laboratório.
Na quinta-feira passada, esse laboratório produziu uma das minhas melhores lições de educação, graças à combinação de uma boa e de uma péssima notícia.
Comecemos pela boa notícia: as classes do ensino fundamental conseguiram superar, com muita folga, a meta fixada pelo Idesp (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo). A nota ainda está longe, muito longe, do ideal, mas é uma vitória e tanto para quem estava desenganado, com data marcada para fechar as portas no final de 2007; muitas salas já estavam vazias e o auditório se transformou em arquivo morto.
Vamos, então, à notícia ruim: as classes do ensino médio, ao contrário, não só não alcançaram a meta como tiveram um retrocesso em 50% em relação ao ano anterior. Como é possível uma reação tão diferente dentro de um mesmo espaço? Entender essa disparidade significa entender os ingredientes que fazem avançar ou retroceder o aprendizado.

 

Na busca de apoio para evitar a morte anunciada, o grupo de professores e alunos conseguiu parcerias no bairro para oferecer as mais diversas oficinas durante o período da tarde -português, matemática, dança, comunicação, cinema, literatura, artes plásticas, música... Só as classes do ensino fundamental foram beneficiadas, pois os alunos estudam em tempo integral e tinham disponibilidade do contraturno.
Já o ensino médio tem o horário normal e, nessa primeira fase, não recebeu nenhum apoio especial; o apoio será iniciado neste ano, com a entrada do Instituto Unibanco, que desenvolve um plano de gestão de metas para colégios públicos de ensino médio. Resultado: o retrocesso na nota. Foi a segunda maior queda entre todas as escolas de ensino médio da cidade de São Paulo.
Aqui entra a primeira lição, comprovada em estudos e mais estudos, muitos deles feitos por economistas -o aumento da jornada escolar (desde que de qualidade) é um dos fatores que mais ajudam os alunos.
Maior jornada não significa, a rigor, nada. No último lugar do Idesp, na cidade de São Paulo, está a Amadeu Amaral, de tempo integral, na zona leste, onde, em 2008, teve a rebelião dos alunos que acabou em destruição das instalações. Depende, óbvio, do que se faz com o tempo.

 

A segunda lição: quando o aprendizado de matérias como português e matemática se mescla com atividades lúdicas, os resultados aparecem.
Fica bem mais fácil tentar recuperar a defasagem em português e matemática. No Max, as aulas são dadas por músicos, atores, comunicadores, artistas plásticos, dançarinos, DJs, designers, cineastas. Ou até por outros estudantes. O tradicional Colégio Santa Cruz enviou 20 de seus melhores alunos para serem professores -um deles decidiu dar aula de filosofia com letras de rap. Cria-se a combinação mágica de cultura com educação, na qual o aluno não é só um espectador, mas um ator.
Não consigo enxergar futuro em aulas expositivas, descoladas do cotidiano, para uma geração que, movida pelos meios de comunicação, está cada vez mais hiperativa e interativa.

 

Terceira lição: quanto mais uma comunidade se envolve com suas escolas e desenvolve um sistema de corresponsabilidade, mais o aluno valoriza o ensino. E, claro, mais pressão ocorre pela qualidade, combatendo-se o absenteísmo e a rotatividade dos professores. Desaparece o efeito destrutivo da escola-motel. A violência e a indisciplina são enfrentadas com menos dificuldade. Mais grave para o professor do que o baixo salário é a violência cotidiana.
Invariavelmente, as escolas com melhor colocação na lista do Idesp exibem, em menor ou maior grau, as três lições. Algumas delas conseguem fazer milagres -nesse caso, todas são comandadas por diretores com habilidade de gestão e carisma comunitário.

 

A tradução das três lições é simples: não existe segredo para melhorar a educação pública. A boa notícia é que, a partir de agora, aqueles que seguirem essas lições serão recompensados com mais dinheiro no bolso. Afinal, o Idesp é a base para o pagamento de um bônus -o que considero uma das medidas educacionais mais ousadas dos últimos tempos.
No caso do Max, um professor do ensino fundamental, por ter ultrapassado 20%, pode ganhar uma recompensa no valor de até 2,9 salários. Seus colegas do médio, onde ocorreu um retrocesso, terão de esperar por uma melhor chance no próximo ano -mas já sabem como chegar lá. Melhor do que o dinheiro, porém, é o reconhecimento público.

 

PS - Vale a pena acompanhar uma experiência na zona leste com dez escolas estaduais. Estão criando ali a figura chamada de "coordenador de pais". É alguém da própria comunidade contratado para aproximar as famílias dos colégios, ajudando-as a educar os filhos. Será uma espécie de professor comunitário. Em Praia Grande, há uma experiência semelhante: caíram abruptamente a evasão e as faltas. Em Belo Horizonte, além das notas, até a saúde das crianças melhorou.

gdimen@uol.com.br


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