São Paulo, domingo, 22 de março de 1998

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PARAÍSO PERDIDO
Duplicação da rodovia Fernão Dias ameaça a qualidade de vida na região de Atibaia e na capital
Nova Fernão pode ser viagem frustrada

FABIO SCHIVARTCHE
MARTA AVANCINI
da Reportagem Local

A duplicação da rodovia Fernão Dias pode piorar a qualidade de vida dos moradores de Atibaia, Bragança Paulista e municípios vizinhos e transformar o êxodo do paulistano para a região em uma viagem frustrada.
As estâncias turísticas dessa área, ainda hoje oásis de tranquilidade, vivem um crescimento superacelerado, desde que o governo estadual anunciou a intenção de iniciar as obras no trecho paulista da estrada, considerada uma das mais perigosas do Estado. Foram 825 mortes só nesta década -uma a cada três dias, em média.
Mas as projeções que indicam que a população dessas áreas vai dobrar em cinco anos não vêm acompanhadas de obras de infra-estrutura, dizem especialistas em urbanismo e até o prefeito de Atibaia, Pedro Maturana (PFL).
Hoje, apenas 60% dos atibaienses recebem água tratada e o esgoto só serve 50% da população. Pelas projeções, a cidade vai ter mais de 200 mil moradores em 2003.
"Não temos estrutura para oferecer a essas pessoas que estão chegando e vamos ter os problemas normais de uma cidade que evolui. Mas estamos trabalhando para ampliar o sistema de ensino e de saúde", diz Maturana.
Moradores temem que a migração da classe alta paulistana para os municípios ao longo da nova Fernão -que está se instalando em condomínios fechados- atraia também elementos indesejáveis da vida urbana: o trânsito e a criminalidade.
"Mudar para Atibaia foi a melhor coisa que fiz na vida, mas tenho medo de que a duplicação da Fernão Dias acabe com o sossego e transforme esse paraíso em uma segunda São Paulo", diz Eliana Bastos Marquetti, que saiu da capital há menos de um ano.
O crescimento da região, que está dinamizando a economia, atraindo indústrias e serviços para os municípios, tem seu lado negativo e pode produzir efeitos desastrosos.
Lixo e ocupações irregulares em áreas de mananciais comprometeriam o abastecimento de água até na cidade de São Paulo -já que cerca de 66% da água consumida na capital vêm dos mananciais da região da Cantareira.
Bragança é o único município da região que tem aterro sanitário. Atibaia tem apenas uma usina de lixo reciclável.
Já a ampliação dos empreendimentos imobiliários deve reduzir a área verde, podendo até mesmo alterar o clima da região -que é um dos principais fatores de atração dos veranistas e praticantes de esportes radicais. Esse processo de desmatamento já ocorreu em São Paulo, sendo um dos motivos pela diferença de até 3C na temperatura entre o centro da cidade e a periferia, com mais área verde.
"O processo de industrialização e ocupação e uso do solo dessa região tinha de ser pensado para que a duplicação ocorresse com a estrutura pronta, para suportar o impacto que vem aí", diz João Luiz Hoefel, professor de gestão ambiental da Faculdade de Economia e Administração da Universidade São Francisco.
Ele diz que, se o Poder Público reproduzir o modelo de ocupação do solo da cidade de São Paulo, estaremos reproduzindo os mesmos bolsões de miséria localizados. "Se não tomarmos cuidado, podemos ter uma favelização da região."
A migração para a região de Atibaia é "inexorável", na opinião da urbanista Raquel Rolnik.
"O eixo São Paulo-Atibaia será tão forte quanto os eixos São Paulo-Campinas e São Paulo-São José dos Campos, que cresceram a partir dos anos 70."
Destino marcado
A rodovia duplicada não é indicativo do fim dos congestionamentos. O destino de quem se mudar para Atibaia poderá ser parecido com o de quem, nos anos 70, foi para Alphaville, em Barueri, e hoje tem de conviver com os congestionamentos da rodovia Castelo Branco. Na nova Fernão, o problema ficará no entroncamento com a marginal Tietê.
"As pessoas saem de São Paulo para viver melhor, mas acabam convivendo com os mesmos problemas de quem vive na cidade, porque mantêm seus trabalhos e vida social na capital", diz Regina Monteiro, vice-presidente do movimento Defenda São Paulo (entidade que reúne 250 associações de bairro de São Paulo).



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