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Cenário da tragédia do vôo 1907 está intacto
Seis meses após queda de Boeing da Gol na floresta amazônica, destroços ainda não foram retirados de terra indígena
Para chegar ao local,
são três horas de barco a motor e outras três horas por uma trilha aberta por índios logo após o acidente
HUDSON CORRÊA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PEIXOTO DE
AZEVEDO (MT)
Seis meses após o maior acidente da aviação brasileira, os
destroços do Boeing 737-800
da Gol permanecem no local da
queda, na floresta amazônica
em Mato Grosso. Parte do cenário da tragédia que matou
154 pessoas e catalisou a crise
aérea pela qual passa o país
continua intacta. São restos de
poltronas, remédios, peças da
fuselagem, roupas, calçados e
querosene.
Em 29 de setembro de 2006,
o Boeing e um jato Legacy da
Embraer, comprado pela
empresa norte-americana ExcelAire, chocaram-se no ar. O
Boeing caiu na floresta -matando todos que estavam a bordo- e o jato conseguiu pousar
sem nenhum ocupante ferido.
O avião caiu na terra indígena Capoto-Jarinã, em Peixoto
de Azevedo (741 km de Cuiabá).
Para chegar ao local, são três
horas de barco e outras três horas por uma trilha aberta por
índios logo após o acidente, a
partir da margem do rio Jarinã.
"Quando chega ao local, venta, tem nuvens e escurece. Depois que voltamos, abre [o tempo]. Toda vez que vamos fica assim. Já vi espírito vagando lá",
diz o cacique caiapó Bedjay
Txucarramãe, 62, que guiou a
Folha até a área da queda, próximo à aldeia Piaraçu, onde vive com 138 índios.
Também acompanharam a
reportagem os índios guerreiros Bepkarokti Metuktire, 34, e
Bekran-õ Metuktire, 49, além
de Gilmar Fumagali, da Funai
(Fundação Nacional do Índio).
A reportagem constatou que
a natureza se encarregou de
acabar com o mau cheiro no local, mas não com os destroços
que, para os índios, poluem o
ambiente (leia texto abaixo)
Os caiapós ajudaram a resgatar os corpos. As primeiras vítimas foram localizadas por eles
seis dias após o acidente.
"Marco zero"
No ponto alcançado pela reportagem após duas horas de
trilha, os caiapós prenderam
em uma árvore, a quase dois
metros do chão, uma mesa de
poltrona do avião. É o "marco
zero" do local onde começam a
aparecer destroços, espalhados
por um raio de mais de 1 km.
No caminho restante, encontram-se de restos da fuselagem
a saquinhos com logotipo da
Gol. A reportagem observou
ainda uma calça preta, um tênis, um sapato, remédios, placas de computador, pedaços do
bagageiro, tubos de plástico e
peças do avião.
A Folha encontrou na trilha
ao menos três buracos redondos no chão. "Aqui cavaram para tirar os corpos que ficaram
enterrados [com o impacto]",
diz o cacique.
Quanto mais se anda, maiores são os destroços. Até que,
após um terreno pantanoso e
um pequeno córrego, chega-se
ao bico do avião, com a cabine e
sobras de poltronas da frente.
Uma porta de saída de emergência também pode ser vista.
Ali foram resgatados os corpos,
praticamente intactos, do piloto e do co-piloto do vôo 1907. A
alguns metros, índios colocaram um ornamento de vegetação parecido com uma cruz.
Nesse mesmo local foram localizados 60 corpos sob a fuselagem, diz Fumagali, que participou do resgate com os índios.
Toda a carcaça do bico do
avião é tomada por pequenas
borboletas. "É que elas ainda
sentem o cheiro das pessoas
que morreram", diz o guerreiro
Bepkarokti. As borboletas também circulam em volta de
quem se aproxima.
A 300 metros dali está a clareira aberta pela FAB (Força
Aérea Brasileira) para resgate
dos corpos. A reportagem encontra as asas e o trem de pouso do avião -e mais borboletas.
Nesse ponto, há uma cruz de
quase três metros de altura
com a inscrição "Vôo 1907-154
(vítimas)", assinada pela equipe de resgate.
Ao lado da cruz há um oratório com imagem de Nossa Senhora de Aparecida e a foto do
bancário brasiliense Marcelo
Paixão Lopes, 29, última vítima
a ter restos mortais identificados. É uma homenagem da família, feita em outubro.
Após menos de uma hora entre os destroços, os índios querem ir embora. "Eles ficam
tristes aqui", diz Fumagali.
"Nós lembramos de nossos
parentes que foram acidentados de carro [11 mortos em
abril de 2004]. O pessoal fica
triste. Quer chorar. Vamos embora", diz o cacique.
NA INTERNET - Veja fotos em
www.folha.com.br/071111
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