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GUERRA URBANA
Jovens dessas áreas de SP não vangloriam PCC, mas comemoraram atentados contra as forças que impõem medo a eles
Facção é glamourizada até os 16 anos, quando morador corre o risco de ser obrigado a pagar taxa ou a virar uma espécie de homem-bomba
Na periferia, ataque à polícia é celebrado
IVAN FINOTTI
EDITOR DO FOLHATEEN
Como acontece todo dia naquela ONG da zona sul de São
Paulo, eram quase 8h de terça-feira quando cerca de 600 adolescentes e crianças de 7 a 15
anos começaram a chegar.
Ali, eles participam de aulas
complementares às da escola e
desenvolvem atividades relacionadas a artes e esportes.
Na terça-feira passada, no
entanto, um dia depois da cobertura intensa dos jornais e
das televisões sobre o conflito
que havia deixado quase 60
mortos no fim de semana, um
daqueles adolescentes teve
idéias. Na porta da organização
não-governamental, puxou a
parte de trás de sua camiseta
por cima da cabeça e levantou a
parte da frente sobre o nariz.
Deixando apenas os olhos à
mostra, concluiu: "É PCC!".
Em poucos minutos, todos os
600, meninas e mocinhas incluídas, imitavam o gesto que o
rapaz havia imitado da televisão. Aos berros, 1.200 olhinhos
reproduziam notícias ("É o pânico! Todo mundo se fechou
em casa"), elegiam um vencedor ("O partido ganhou a guerra!") e planejavam o futuro
("Vou ser do PCC").
A tropa só aceitou tirar as camisetas da cara quando a presidente da ONG argumentou que
nunca na vida tinha se escondido atrás de máscaras, seja lá
qual fosse a dificuldade por que
estivesse passando.
"É claro que existe uma glamourização. Esses jovens são
muito ingênuos, e o PCC mostra que tem o poder, que manda, que ninguém passa por cima deles", diz a educadora.
Essa glamourização, entretanto, tende a mudar quando o
jovem chega aos 16 ou 17 anos.
Em vez de admirar o PCC, passa a temê-lo. Isso porque a
maioria se dá conta de que a
realidade envolve pagar R$ 500
todo mês ou se tornar uma espécie de homem-bomba, disponível para realizar ataques suicidas ou para assumir crimes
que não cometeu.
"O PCC não ajuda ninguém,
não ajuda a comunidade. O
PCC só ajuda a eles mesmos",
diz Antônio, um rapaz de 23
anos envolvido na produção de
documentários de cinema que
mostrem a realidade da zona
sul. "Aqui, todo garoto de sete
ou oito anos quer ser ladrão na
hora de brincar de polícia-e-ladrão. Mas, quando chega aos 16
ou 17 anos, começa a perceber a
realidade. Eu tenho um irmão
preso porque escolheu esse caminho." Seu irmão tem 21 anos
e está na cadeia por homicídio e
porte ilegal de armas.
Nem PCC nem PM
Antônio é nome fictício, assim como os outros desta reportagem, porque, segundo
eles: "Se a gente fala mal do
PCC, é morte na certa. Se a gente fala mal da polícia, eles vêm
atrás e descem porrada".
E aqui entra a segunda parede que prensa a juventude na
periferia paulistana: a força policial. É fácil confundir o ódio
aos homens fardados com a glamourização ao crime, mas são
coisas diferentes.
Não, os jovens da periferia
não apóiam o PCC. Mas de certa forma se sentiram vingados
quando souberam dos ataques
à polícia. No final das contas,
eles morrem de medo de um. E
do outro também.
É nessa corda bamba com tiros vindos dos dois lados que os
jovens têm que se equilibrar.
"O melhor era que não existisse
nenhum deles", afirma Antônio. Fábio, de 16 anos, também
morador da zona sul paulistana, não anda à noite em seu
próprio bairro.
"Quando eu volto da balada
no centro, chego ao terminal de
ônibus no meio da madrugada e
fico lá esperando clarear. Não é
por causa dos traficantes. Esses
conservam a gente. Mas se a
polícia pega você de noite nessas quebradas, zoa pra caramba. Dão tapa, humilham. Só
que, nesta semana, eles estão
com desculpa para matar."
Seu amigo João, de 18 anos,
confirma que o medo maior ali
é da polícia. "Tem uns PMs que
não respeitam nada. Plantam
droga se você já tiver passagem
na Justiça e exigem R$ 5.000
em dez minutos pra te liberar.
Se andar em grupo, então, eles
não perdoam. Os policiais passaram pelas ruas avisando isso", conta ele.
Mas João também vê o outro
lado da moeda. "Na minha opinião, muitos policiais estão trabalhando. É lógico que tem safadão no meio, tem corrupto.
Mas alguns deixam família em
casa para ir atrás do ganha-pão
e acabam morrendo na mão
dos malucos aí."
O toque de recolher que a juventude se impôs na região começa às 21h. Depois disso, somente com muita cautela, conforme fez o estudante de enfermagem José, 20.
"O governador diz que não
tem toque de recolher, mas isso
é para quem mora em um lugar
seguro. Não tive coragem de ir à
aula de noite na segunda nem
na terça por causa da polícia.
Quem é do PCC não está nem
tirando o nariz pra fora de casa.
Ontem [quarta-feira], fiquei na
casa da minha namorada até a
1h. Voltei pra casa correndo e
me escondendo a cada esquina", descreve o jovem.
Polícia honesta
"Eu sei que tem polícia honesta porque já tomei um monte de enquadro. Uns 15 ao todo", diz o rapaz. "Só com minha
namorada junto, nesses últimos dois anos, já passamos por
quatro ou cinco. Eles perguntam se você tem passagem, checam a identidade via rádio e liberam. Mas outro dia jogaram
dois amigos meus dentro do
córrego. Pura maldade."
Kátia, sua colega do curso de
enfermagem, tem 20 anos e
compõe raps. Já fez uma série
deles, sempre retratando "a
realidade da periferia e a vontade de melhorar o sistema". Na
última semana, ela escreveu,
apenas com palavras iniciadas
com a letra F, uma canção sobre o que está vendo ao seu redor. Segue um trecho:
"Fardado folgado/
Feriu Francisco, furo fatal/
Fardado formulou fatos falsos, fisgou fama, ficou falado/
Francisco faleceu, flores
frente funeral".
Zona leste
Do outro lado da cidade, na
zona leste, a situação se repete.
O toque de recolher ocorre devido à polícia e não aos criminosos, garante o fanzineiro e
escritor Sérgio, 33.
"Meu amigo, entendo perfeitamente que o morador de
Moema [bairro nobre da zona
sul paulistana] fique tranqüilo
e se sinta seguro quando vê um
carro de polícia na esquina.
Mas eu não. Aqui, somente
quem é muito alienado pode
sentir um reflexo de segurança
com a polícia. É de anos que
existe um despreparo e uma
abordagem dura e violenta com
os pobres. Se for negro, então...
Vi oito forças-táticas ali no centro do bairro e hoje não saio de
casa de jeito nenhum."
Ele -que mora em uma região que supostamente é dominada pela facção- afirma que
jamais ouviu alguém na rua se
referir positivamente à organização criminosa. "Nunca vi alguém dizendo algo como "Que
bom ter o PCC aqui". As pessoas
só falam do PCC com medo,
sem se vangloriar. O PCC não é
bom nem pra eles, que acabam
endividados e são obrigados a
fazer coisas como atacar a polícia. O que é uma burrice, já que
é uma instituição constituída
na qual mexer com um significa
mexer com todos."
Na situação confusa da periferia, entre os mortos e os feridos, o conflito já vai virando tema de piada de boteco. Sérgio
ouviu uma delas um dia desses:
"Fui comprar pão ao lado da
delegacia aqui do bairro. Os policiais estavam todos fechados
no DP, e o povo estava dizendo
que era porque eles tinham alugado um DVD. Que filme? "Todo Mundo em Pânico'".
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