São Paulo, terça-feira, 22 de junho de 2010

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JAIRO MARQUES

Os superpoderosos


Tenho um superpoder, o da invisibilidade. Diversas vezes, não notam a minha presença e não falam comigo


COMPLICADO ADMITIR isso publicamente por causa da repercussão que pode dar e dos favores que vão me pedir, mas vamos lá: tenho um superpoder, o da invisibilidade. Diversas vezes, não notam a minha presença nos lugares e não falam comigo.
Pessoas com deficiência e os idosos, de forma geral, ganham dons sobrenaturais. Os cegos podem ficar resistentes ao som, pois há quem fale com eles gritando. Os velhinhos voltam a ser crianças e são tratados com "gut gut" e mimos. Já os surdos passam a ser imunes à emoção. Pode-se falar o que bem quiser na presença deles, afinal, eles não ouvem, logo não sentem.
Um dos locais em que meu superpoder mais se manifesta é em centros de compras. Entro na loja, rodo, me enrosco nas roupas e ninguém me vê nem me atende.
Minha invisibilidade, em alguns casos, é tão grande que, quando estou acompanhado, escolho lá uma pula-brejo qualquer para comprar, experimento e, quando me dirijo ao caixa, é para quem está comigo que perguntam: "Vai ser com cheque ou com cartão?". Isso também é comum em bares e restaurantes: "Ele vai comer o quê?"
Já entrei no Museu Rainha Sofia, em Madri, sem que me falassem nada nem me pedissem ingresso, como é feito com os outros visitantes. Fui considerado café com leite. Se tivesse uma pochete de turista um pouquinho maior, "Guernica", do Picasso, corria sérios riscos.
É duro ser ignorado ou mesmo que finjam que não estou presente. Talvez o fundo disso seja um conceito errado de que cadeirantes não falam ou mesmo que terão reações estranhas quando abordados.
Entendo que haja receio e uma falta de, digamos, habilidade para rolar uma interação entre uma pessoa com deficiência e um "mortal" comum. Mas o pior dos mundos é imaginar que quem tem algum tipo de limitação física ou sensorial não pode nada, é um estropício.
Mesmo nos casos de deficiências severas, as pessoas, à sua maneira, se comunicam, atuam em sociedade, são capazes de manter relação com o outro. Basta querer entendê-las. E outra: elas sabem que estão "em desvantagem".
Então, afora exceções, cegos podem ouvir perfeitamente. Não é preciso berrar no ouvido deles. Os surdos são capazes de entender a comunicação dos falantes. E, por fim, cadeirantes podem interagir.

 


Este espaço pretende mostrar iniciativas "bacanudas" e também "chumbregas" em relação à acessibilidade nas cidades, com o "acessômetro". Lugares que ganharam rampas, elevadores ou ações inéditas que visem à inclusão vão disputar o troféu "É maraviwonderfull".
Já os picos lascados, sem acessibilidade, e os flagrantes de desrespeito aos direitos da pessoa com deficiência concorrem à premiação "É ridiculable". Os leitores podem participar mandando sugestões para jairo.marques@grupofolha.com.br. As imagens e os detalhes vão estar divulgados no blog.
Pra começar, uma "inacreditível" rampa cheia de degraus de uma igreja em Uberlândia (MG). Assim vai ser complicado buscar um milagre. Dica da leitora Brunna Melazzo.
A bola dentro vai para a reforma das calçadas da rua Amaral Gurgel, em São Paulo. Estavam podres e são de intensa circulação de pessoas. Como o local é famoso por ser ponto de travestis, menos meninas vão quebrar o salto e menos cadeirantes correm o risco de se esborracharem, pelo menos por ali.

http://assimcomovoce.folha.blog.uol.com.br


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