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CRISE NA SEGURANÇA
Categoria convive com baixos salários, punições e risco; na rua, ação de agentes é cada vez mais letal
Polícia ganha mal, mata e morre mais
SÍLVIA CORRÊA
ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL
Armados, eles são responsáveis
pela manutenção da ordem pública. Mas ganham mal, estão endividados e estressados, só vêem
aumentar o poder de fogo dos
opositores e podem ser presos só
por não cumprimentar o chefe.
O resultado desse coquetel explosivo chega às ruas com uma
força alarmante. Ano a ano, os
homens que deveriam dar segurança matam e morrem cada vez
mais. E, agora, amotinam-se com
frequência cada vez maior, deixando à própria sorte a população
que deveriam proteger.
Este ano, das 27 unidades da federação (26 Estados e DF), 2 enfrentam greve de policiais, 4 já enfrentaram e 8 estão sob ameaça.
"Uma remuneração justa, equipamentos adequados e normas
democráticas de disciplina são as
únicas formas de impedir situações como essa e garantir dedicação e eficiência às polícias", avalia
o sociólogo Benedito Domingos
Mariano, o primeiro ouvidor de
polícia do país, que deixou o cargo, em São Paulo, no final de 2000.
Comparação
Comparação feita pela Folha
mostra que o salário inicial de um
policial militar -regime no qual
está 71,7% do efetivo das polícias
estaduais- é menor do que o
rendimento médio dos trabalhadores em 3 das 6 principais regiões metropolitanas do país pesquisadas pelo IBGE.
No Rio, por exemplo, o salário
médio dos trabalhadores era, em
abril, R$ 718,76. O soldado ganhava R$ 500. A situação se repete em
Porto Alegre: média de R$ 720,57,
contra um soldo de R$ 524. Em
São Paulo, os trabalhadores recebem, em média, R$ 884,20. Os soldados, R$ 756,78 (veja quadro
abaixo). São 65% da tropa.
O montante é praticante o mesmo do que é recebido por um coletor de lixo (R$ 700) e equivale a
78% do salário de um vigilante.
""Ninguém faz greve porque
quer. É um estado de necessidade", afirma o deputado estadual
Wilson Morais (PSDB), cabo da
PM paulista e presidente das Associações de Cabos e Soldados de
São Paulo e do Brasil.
Os baixos salários impõem à categoria a favelização e o endividamento. Em Pernambuco, a Associação de Cabos e Soldados projeta que 3.000 policiais da Grande
Recife -quase um terço do efetivo na região- moram em favelas, palafitas, áreas invadidas ou
insalubres, como lixões.
Em São Paulo, que tem o maior
efetivo do país -23% do total-,
a Associação de Cabos e Soldados
afirma que 30% dos praças moram em zonas violentas e 17% vivem em favelas ou cortiços.
A associação paulista tem um
convênio com a Caixa Econômica
Federal para oferecer moradia aos
praças, mas afirma que conseguiu
entregar até agora apenas 1.754
das 10 mil unidades previstas porque os PMs têm dificuldades de
comprovar a renda exigida.
Para completar o salário, segundo as associações de PMs do Estado de São Paulo, 13 mil homens
procuram as entidades para pedir
empréstimos a cada mês -15%
da corporação. Outros, fazem bicos de segurança, perueiro etc.
Em Pernambuco, a Polícia Civil
calcula que 90% do efetivo tenham outro emprego. "Quem
não faz bico é porque virou ladrão
ou tem parentes trabalhando",
diz o presidente do sindicato da
categoria, Henrique Leite. No DF,
onde são pagos os maiores salários do país, boa parte dos policiais trabalha de perueiro.
Na PM paulista, a estimativa é
que 85% da tropa trabalhe fora do
expediente. O bico é proibido pelo Regulamento Disciplinar, mas
o próprio comando da corporação admite, reservadamente, tolerar a infração e só puni-la quando
há tiroteio na folga.
A troca de tiros no bico, porém,
fica cada vez mais comum. No começo da década de 90, os homicídios de PMs paulistas na folga
eram o dobro dos registrados em
serviço -33 e 14. Em 2000, eles
foram o quádruplo -109 e 25.
Os PMs morrem, mas também
matam mais. De 1996 para cá, o
número de vítimas fatais das
ações policiais em São Paulo só
cresceu. Foram 368 naquele ano
contra 749 em 2000. Somadas às
vítimas dos policiais civis, elas
chegam a 406 (96) e 807 (2000). Os
demais Estados não têm dados
precisos sobre essas ocorrências.
"Vou descontar em quem?"
"Todo mundo precisa de uma
válvula de escape. Com contas
atrasadas, mulher falando, indo
preso por nada, vou descontar em
quem?", indaga o soldado Sérgio
(nome fictício), 46, 20 na PM paulista, afirmando que os motins e
os abusos são, em parte, motivados por medos e frustrações.
Entre 1996 e 2000, o número de
assassinatos gerais também cresceu. No país, o índice passou de
24,76 mortes por 100 mil habitantes para 25,96. Em São Paulo, por
exemplo, foi de 36,11 para 42,03.
A tensão e as dificuldades financeiras são os principais problemas que levam os policiais a buscar ajuda. O Centro de Assistência
Social, Psicológica e Jurídica da
PM-SP é procurado, mensalmente, por cerca de 400 policiais ou familiares. As queixas vão de problemas com pensões a pedidos de
dinheiro, habitação e médicos.
Só nos primeiros seis meses
deste ano, 931 policiais passaram
por avaliação por terem se envolvido em ocorrências de risco. Outros 1.374 procuraram espontaneamente os terapeutas. Na fila,
mais 300 esperam atendimento.
Para o sociólogo José Vicente
Tavares dos Santos, da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, a situação mostra que a polícia está em crise e precisa de reformas. A crise já começa a aparecer
na procura por vagas. Em 1991,
104.421 tentaram ingressar na PM
paulista. Este ano, foram 51.528
até junho. E a PM estima que chegue a 85 mil em dezembro.
Colaboraram a Agência Folha
e a Sucursal de Brasília
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