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PASQUALE CIPRO NETO
Anafóricos e catafóricos
O gentil leitor sabe o
que é um anafórico? E um
catafórico? Não se trata de nomes
de medicamentos, não. Mais ou
menos recentes na nomenclatura
empregada nas questões de alguns vestibulares e concursos públicos, esses "palavrões" ainda
surpreendem muita gente, já que
não costumam fazer parte do que
se estuda ou discute nas aulas de
português do segundo grau de
boa parte de nossas escolas.
Na verdade, muita gente sabe o
que é um anafórico, por exemplo,
mas não sabe que o nome do bicho é esse. Em "Atestado sem selo
deixa de sê-lo", por exemplo, o
pronome "lo" (que resulta da
transformação de "o" em "lo") recupera o substantivo "atestado",
citado antes na frase. Pronto! Você já sabe o que é um anafórico!
Ou ainda não sabe? Sabe, sim: um
anafórico nada mais é do que um
elemento lingüístico que se refere
a um termo antecedente.
Como sempre digo, muito mais
importante do que o nome é o
emprego. No caso dos anafóricos,
isso corresponde a deixar claro
quem é quem no texto. Em outras
palavras, o bom uso dos anafóricos estabelece adequadamente a
coesão textual (terminologia que
também tem sido empregada em
alguns vestibulares e concursos).
Um caso comum de mau emprego dos anafóricos ocorre com o
pronome "seu", potencialmente
ambíguo. Em "O rapaz disse à irmã que seu futuro estava decidido", por exemplo, não se sabe a
quem se refere o possessivo "seu"
(ao rapaz, à irmã ou aos dois).
Nesse caso, o problema pode ser
resolvido com o emprego de "dele", "dela" ou "deles".
Pois bem, em seu último vestibular, a Fundação Getúlio Vargas (de São Paulo) fez esta questão: "Selecione, da linha 16 do
texto, duas palavras que tenham
valor anafórico. Explique essas
anáforas". O trecho de que fazia
parte a "linha 16" (de um fragmento de "A Moreninha", de Joaquim M. de Macedo) era este:
"...que Ahy, de cansada, procurou
fugir do insensível moço e fazer
por esquecê-lo; porém, como era
de esperar, nem fugiu-lhe e nem o
esqueceu" (a "linha 16" começa
em "moço" e termina em "o").
E então, caro leitor? Quais são
os anafóricos (que, na verdade,
são três)? Vamos lá: "lo" (de "esquecê-lo"), "lhe" (de fugiu-lhe") e
"o" (de "o esqueceu"). Os três elementos anafóricos se referem ao
mesmo antecedente ("moço").
Em "esquecê-lo", o pronome
"o" se transforma em "lo" porque
se prende a verbo terminado em
"r" (esquecer + o = esquecê-lo).
Em "fugiu-lhe", o "lhe" corresponde a "a ele" ou a "dele" ("fugiu ao moço" ou "fugiu do moço",
ou seja, "fugiu a ele" ou "fugiu dele"). Em "o esqueceu", o "o" é posto antes da forma verbal por atração do termo negativo "nem".
É bom lembrar que o termo
"anáfora" também é usado para
denominar a "repetição de uma
ou mais palavras no princípio de
duas ou mais frases" ("Aurélio"):
"Quase tu mataste, / Quase te mataste, / Quase te mataram!" (citado no próprio "Aurélio", o exemplo é de "Estrela da Vida Inteira",
de Manuel Bandeira).
Bem, a esta altura o leitor talvez
deseje saber o que é o bendito "catafórico". Se o anafórico se refere
a um antecedente, o catafórico se
refere ao que será enunciado
adiante. Em "A verdade é esta,
meus caros: estamos mal-arrumados!", por exemplo, o pronome
demonstrativo "esta" se refere ao
que é enunciado em seguida ("estamos mal-arrumados!"). É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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