São Paulo, quinta-feira, 22 de julho de 2004

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PASQUALE CIPRO NETO

Anafóricos e catafóricos

O gentil leitor sabe o que é um anafórico? E um catafórico? Não se trata de nomes de medicamentos, não. Mais ou menos recentes na nomenclatura empregada nas questões de alguns vestibulares e concursos públicos, esses "palavrões" ainda surpreendem muita gente, já que não costumam fazer parte do que se estuda ou discute nas aulas de português do segundo grau de boa parte de nossas escolas.
Na verdade, muita gente sabe o que é um anafórico, por exemplo, mas não sabe que o nome do bicho é esse. Em "Atestado sem selo deixa de sê-lo", por exemplo, o pronome "lo" (que resulta da transformação de "o" em "lo") recupera o substantivo "atestado", citado antes na frase. Pronto! Você já sabe o que é um anafórico! Ou ainda não sabe? Sabe, sim: um anafórico nada mais é do que um elemento lingüístico que se refere a um termo antecedente.
Como sempre digo, muito mais importante do que o nome é o emprego. No caso dos anafóricos, isso corresponde a deixar claro quem é quem no texto. Em outras palavras, o bom uso dos anafóricos estabelece adequadamente a coesão textual (terminologia que também tem sido empregada em alguns vestibulares e concursos).
Um caso comum de mau emprego dos anafóricos ocorre com o pronome "seu", potencialmente ambíguo. Em "O rapaz disse à irmã que seu futuro estava decidido", por exemplo, não se sabe a quem se refere o possessivo "seu" (ao rapaz, à irmã ou aos dois). Nesse caso, o problema pode ser resolvido com o emprego de "dele", "dela" ou "deles".
Pois bem, em seu último vestibular, a Fundação Getúlio Vargas (de São Paulo) fez esta questão: "Selecione, da linha 16 do texto, duas palavras que tenham valor anafórico. Explique essas anáforas". O trecho de que fazia parte a "linha 16" (de um fragmento de "A Moreninha", de Joaquim M. de Macedo) era este: "...que Ahy, de cansada, procurou fugir do insensível moço e fazer por esquecê-lo; porém, como era de esperar, nem fugiu-lhe e nem o esqueceu" (a "linha 16" começa em "moço" e termina em "o").
E então, caro leitor? Quais são os anafóricos (que, na verdade, são três)? Vamos lá: "lo" (de "esquecê-lo"), "lhe" (de fugiu-lhe") e "o" (de "o esqueceu"). Os três elementos anafóricos se referem ao mesmo antecedente ("moço").
Em "esquecê-lo", o pronome "o" se transforma em "lo" porque se prende a verbo terminado em "r" (esquecer + o = esquecê-lo). Em "fugiu-lhe", o "lhe" corresponde a "a ele" ou a "dele" ("fugiu ao moço" ou "fugiu do moço", ou seja, "fugiu a ele" ou "fugiu dele"). Em "o esqueceu", o "o" é posto antes da forma verbal por atração do termo negativo "nem".
É bom lembrar que o termo "anáfora" também é usado para denominar a "repetição de uma ou mais palavras no princípio de duas ou mais frases" ("Aurélio"): "Quase tu mataste, / Quase te mataste, / Quase te mataram!" (citado no próprio "Aurélio", o exemplo é de "Estrela da Vida Inteira", de Manuel Bandeira).
Bem, a esta altura o leitor talvez deseje saber o que é o bendito "catafórico". Se o anafórico se refere a um antecedente, o catafórico se refere ao que será enunciado adiante. Em "A verdade é esta, meus caros: estamos mal-arrumados!", por exemplo, o pronome demonstrativo "esta" se refere ao que é enunciado em seguida ("estamos mal-arrumados!"). É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
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