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RUBEM ALVES
Privilégios
Representantes têm de ser iguais ao povo. Não têm privilégios. Não se valem de foros especiais para se safar
O
BRASIL É bom porque aqui
todo mundo é religioso. Uma
pesquisa revelou que 99%
dos brasileiros acreditam em Deus.
Isso é garantia da integridade ética
do nosso povo. Quem acredita em
Deus é mais confiável do que quem
não acredita. Quem acredita em
Deus anda na linha por medo do castigo. Dando-se crédito às Sagradas
Escrituras os nossos 99% só são batidos pela população do inferno pois,
segundo o apóstolo Tiago, 100% dos
demônios não só acreditam em
Deus como estremecem ao ouvir o
seu nome. Ah! Como minha alma fica tranqüila ao ver os crucifixos nas
paredes dos gabinetes dos deputados e senadores e as Bíblias nas
mãos dos pastores evangélicos...
Movido pelo mais sincero sentimento religioso e certo de que 99%
dos congressistas não só acreditam
em Deus como também estremecem ao ouvir o seu nome, achei adequado fazer algumas considerações
teológicas apropriadas ao momento
que estamos vivendo, qual seja, o de
escolher os nossos representantes.
Vereadores, deputados, senadores
e o presidente são nossos "representantes". Um "representante" é uma
pessoa que toma o lugar de uma outra. Ela age como se fosse a outra.
Pois essa palavra "representante"
tem uma gravidade teológica: todo o
drama da salvação que nos livra do
fogo do inferno gira em torno dela.
Para que nossas dívidas pecaminosas fossem pagas a N.S., Jesus Cristo
teve de se "esvaziar" de todos os seus
atributos divinos a fim de tomar o
nosso lugar e nos "representar" perante Deus Pai. Se tal não tivesse
acontecido todos estaríamos condenados ao sofrimento eterno.
A essência da "representatividade" é a "igualdade" entre o "representado" e o seu "representante".
Uma raposa não pode representar
as galinhas. Um heterossexual não
pode representar os "gays". O dono
da fábrica não pode representar os
operários. O representante, assim,
não pode ser "mais" que o representado. Esse "mais" é um privilégio,
"lei privada" que vale apenas para
um grupinho.
Na democracia não há privilégios.
Todos são iguais perante a lei. Quando um Brasilino qualquer rouba um
pacote de manteiga ou um boné ele
vai para a cadeia. Vai pra cadeia porque a lei não sabe que ele é um Brasilino qualquer. E não sabe por ser cega. Se é cega para o Brasilino, é cega
também para vereadores, deputados e senadores. Essa é a razão porque esses senhores, quando pegos
com as mãos cheias de dinheiro público, vão também para a cadeia. Como é bem sabido as cadeias estão
cheias deles... Representantes têm
de ser iguais ao povo. Não têm privilégios. Não têm aposentadoria em
condições especiais, não se valem de
foros especiais para se safar. E nem
votam os seus próprios salários porque os Brasilinos não votam os seus
salários.
Estou certo de que, a fim de derrotar o 1% que não acredita em Deus e
que, por isso mesmo se candidata
para ter privilégios, os restantes
99% de legítimos representantes do
povo, no início do seu mandato, haverão de votar uma lei que declare
extintos todos e quaisquer privilégios que os tornam diferentes dos
Brasilinos.
Por isso o momento de eleição é
um momento de alegria teológica e
democrática. Nossos candidatos
não só acreditam em Deus como estremecem ao ouvir o seu nome...
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