São Paulo, sábado, 22 de agosto de 2009

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WALTER CENEVIVA

Inconsciência do que é o Senado


No debate recente, os senadores se afastaram da dignidade histórica da Casa. Convém que a retomem


NA VIDA político-jurídica das nações, o Senado é, enquanto organismo legislativo de governo, o primeiro da história, pois remonta aos tempos da Roma antiga. Não tenho conhecimento suficiente dessa matéria no mundo oriental, mas na versão ocidental a palavra senado correspondeu ao conselho dos mais antigos, oriunda de "senes", ou seja, velho.
O Senado romano foi o conjunto dos legisladores e administradores mais idosos e, depois, o conselho dos dignitários de maior prestígio. Em síntese de vários períodos históricos, foi organismo contraposto à assembleia do povo e aos magistrados.
No Brasil, o Senado é marcado por funções privativas de particular realce (Constituição, art. 53), pela eleição de apenas três componentes por Estado, com dois suplentes (art. 46), menor número que o de deputados, este proporcional à população (art. 45), elegibilidade com restrição à idade mínima de 35 anos, contra 21 para deputados federais (art. 14, inciso 5º), mandatos mais extensos que o dos deputados (oito anos e quatro anos, art. 46) e até pela diferença no processo de escolha. Foi o que se viu nos Estados Unidos, a contar do século 18, e na França, durante o século 19, para ficar em dois exemplos. Há mais um, com uma curiosidade histórica. Os milhões de compradores que, vindos de várias partes, disputam espaço na rua 25 de Março, em São Paulo, nas vésperas de dias festivos, talvez nem saibam ou não se lembrem que a tradicional via pública homenageia a data em que aprovada a primeira Constituição brasileira, em 1824, no Império. Lembrei disso porque a Carta monárquica também tratava diferentemente os senadores: eram vitalícios, escolhidos em eleições provinciais, com o mínimo de um por Província, tendo pelo menos 40 anos, num tempo em que a vida média do brasileiro não chegava a essa idade. Seu número total era o da metade dos deputados. Tudo para a maior dignidade das funções e missões do Senado.
Não é esse o perfil que hoje se encontra na chamada Câmara Alta. O recente "acordão" partidário entre senadores do governo e da oposição foi enterrado. Não restaurou a distinção do diálogo senatorial, depois de ofensas em que nem mães foram perdoadas. Varrido para debaixo do tapete em termos de "não me denuncias, não te denuncio", envolveu assunto menor, salvo pelo escarcéu gerado e pela necessária lembrança de anteriores críticas e elogios dos disputantes, uns em relação aos outros, em cotejo muito contraditório. Abandonaram projetos importantes, sacrificaram o caminho ordenado nos 15 incisos do artigo 52 da Constituição.
Nem mesmo cuidaram da importância dos direitos especiais que os protegem, previstos no artigo 53, impondo-lhes a contrapartida necessária do respeito dos Estados representados, perturbando reuniões e comissões necessárias à respectiva Casa. No ambiente tumultuado, não houve tempo para que se desincumbissem de suas tarefas, para cujo desempenho são pagos pelo bolso dos contribuintes. Regiamente, diga-se.
A dignidade histórica do Senado é de tal estatura que nem mesmo se confunde com as quantias que seus componentes retiram dos cofres públicos, mês após mês, trabalhando ou não. No debate recente, eles se afastaram dessa dignidade. Convém que a retomem.


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