São Paulo, sábado, 22 de agosto de 2009

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Vale negociar com traficante para reduzir violência, afirma britânico

ANDRÉA MICHAEL
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Mark Trace, ex-chefe do combate às drogas no Reino Unido, diz que, como no Brasil a violência é o principal problema associado ao tráfico, vale até negociar com traficante para evitá-la. Mas o fundamental é ter uma boa lei e cumpri-la. Para o especialista, "a política antidrogas [dos EUA] para a América Latina e os programas de ajuda vinculados a ela foram um desastre". "O Brasil não achou um caminho a seguir, uma estratégia", diz Trace, que hoje dirige o Consórcio Internacional de Políticas para Drogas, com sede em Londres, e participou do seminário no Rio.

 

FOLHA - Para o sr., não existe uma solução universal para a questão das drogas. Qual seria a mais indicada para o Brasil?
MARK TRACE
- Todos os governos devem se colocar como questão preliminar que problemas as drogas trazem consigo e definir quais as suas prioridades para o enfrentamento. Se o seu problema são os viciados, sua prioridade deve ser a saúde pública, como cuidar dos viciados e tirá-los dessa condição. Nestes três dias aqui no Brasil, vejo que o principal problema é a relação entre drogas e violência. Na Europa, as drogas estão relacionadas a pequenos roubos e furtos. Talvez um caminho seja usar a lei para criar incentivos para evitar a violência. Sinalizar que, se houver ações violentas associadas ao tráfico, as penas serão maiores.

FOLHA - Ainda que a polícia tenha que negociar com o traficante para que não haja violência?
TRACE
- Essa é uma possibilidade, mas apenas um exemplo. Há muitas estratégias que se pode seguir. A primeira e mais importante é ter uma boa lei e segui-la. Por isso acho fundamental esse debate sobre a lei brasileira para deixar mais claros os critérios para distinguir o traficante do consumidor. É muito importante você dimensionar ações de tráfico em que há envolvimento de traficantes, de quadrilhas, de menores, de armas de fogo, daquelas que configuram um tráfico menor, que está na ponta, que não envolve violência, que não é o dono do esquema.

FOLHA - Legalizar resolve?
TRACE
- Não acho. Não estou aqui para dar uma solução para esse debate. Cada país deve achar sua solução. As pessoas que acreditam que a legalização vai resolver o problema estão cometendo um erro.

FOLHA - O fato de ex-presidentes, como o brasileiro FHC e o atual presidente norte-americano, Barack Obama, admitirem ter fumado maconha muda alguma coisa?
TRACE
- É um assunto muito difícil para políticos. Quando eu fazia parte do governo do Reino Unido [1997-2002], colocamos isso na agenda do dia, como se fosse algo trivial, aí a polêmica se esvaziou. Mas voltou a ser tabu. Sou descrente de um debate político sério porque sempre descamba para o dividendo eleitoral. É uma questão muito cara você apresentar a legalização ou ser contra ela como bandeira eleitoral.

FOLHA - Que análise o sr. faz da política dos EUA de combate às drogas na América Latina?
TRACE
- A política antidrogas para a América Latina e os programas de ajuda vinculados a ela foram um desastre. Existe um debate particular sobre a Colômbia, sobre se a ajuda norte-americana ajudou ou não a situação da segurança. Mas, de maneira geral, a política dos EUA de encorajar os países latino-americanos a travarem uma "guerra às drogas" foi um erro. Acho que isso foi feito por razões geopolíticas. Agora, com uma nova administração, há novas mensagens, eles condenaram a linguagem da "guerra às drogas", mas não houve mudanças concretas.

FOLHA - O sr. é favorável à descriminalização das drogas?
TRACE
- Não é uma questão simples. Sou a favor da despenalização. Significa dizer que essa prática continua a ser uma ofensa com perfil criminal, mas a penalidade é diferente, como, dar ao acusado uma advertência, um serviço social, uma assistência médica.


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