São Paulo, domingo, 22 de setembro de 2002

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DANUZA LEÃO

Malvada memória

Acontecem coisas inexplicáveis na vida da gente, e a tendência é sempre botar a culpa nos outros. Às vezes, você começa a implicar com uma pessoa -e até com várias- sem nenhuma razão aparente. Aí começa a não responder aos recados, quando a encontra, fica meio sem graça, diz que a secretária eletrônica andou quebrada e evita conversar o quanto pode. A sensação é de alguma coisa ruim, mas você afasta o pensamento porque não quer lembrar-se; mas não quer lembrar-se de quê?
Afinal, foram amigas, trocaram confidências, compartilharam momentos importantes; por que não consegue ficar normal quando se encontram?
E, para complicar um pouco mais: o que ela deve estar pensando de você? Que é uma mau-caráter que abandona as velhas amizades assim por nada, sem nenhuma razão, e pior: se, por acaso, sua vida deu uma guinada para cima, ela ainda pode -vai- pensar que você está assim porque ficou importante. Como a vida pode ser injusta.
Acontece isso também com antigos amores; encontrar alguns é agradável e prazeroso, mas, de outros, foge-se como o diabo da cruz. Será que tem a ver com os que nos fizeram sofrer? Pensando bem, não; pensando muito bem, de jeito algum; pensando melhor ainda, todos os finais são -foram- sofridos, mesmo aqueles em que nós fizemos as malas para deixá-los por outro, outros, e isso faz parte de todas as histórias -ou você já ouviu falar de um fim de caso que não tenha sido doloroso? Amor feliz do primeiro minuto até o amargo fim? Está para acontecer.
Ah, se pudesse apertar um botão -sem que fosse pecado nem crime- para que certas pessoas desaparecessem, sumissem, virassem purpurina, você não apertava na hora, sem pensar duas vezes? Mas a razão, a razão? As pessoas por acaso mudaram? Bem, todo mundo muda, e você também mudou. Mas por que essa mudança só interferiu em suas relações com alguns, algumas? Puxe pela memória e tente se lembrar do passado; lembre-se de você anos atrás -e prepare-se.
As pessoas a quem se amou ou de quem se foi amiga ficam na nossa memória como parte de uma história à qual às vezes é bom voltar e às vezes é péssimo. As que compartilharam e foram testemunhas de nossas fases ruins -e por fases ruins entendam-se os momentos de fraqueza, carência, desfrute, cafonice, ansiedade etc.-, essas a gente gostaria de não ver nunca mais.
Quem não fez um ou vários papelões na vida? Quem um dia não bebeu errado, não disse as coisas erradas nas horas erradas, não namorou a pessoa errada da maneira errada, não sofreu por quem não devia, não telefonou de madrugada pedindo para voltar, não ligou no dia seguinte para pedir desculpas e, quando pela primeira vez o viu com outra, deu aquele vexame tão horroroso que até hoje quer morrer quando lembra?
E qual foi o amigo ou amiga que estava perto, viu tudo, te acolheu nos braços, junto de quem você chorou sem pudor ainda por cima fazendo papel de idiota, já que aquele homem não significava nada para você -enfim, quase nada? Exatamente aquele (ou aquela) que você agora não pode nem ver. O tempo passou, você tomou juízo (um certo) e não quer nem ouvir falar que essas pessoas existem.
Não por elas, mas para não lembrar de quem um dia foi.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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