São Paulo, terça-feira, 22 de outubro de 2002

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MARILENE FELINTO

O factóide da atriz e o caso Gugu

A pior coisa destas eleições não foi o sempre indigesto horário eleitoral na TV, foi o bombardeio imposto ao eleitor pelo pensamento único da imprensa -a campanha ora descarada, ora mal dissimulada a favor do candidato do governo à Presidência.
Fosse quem fosse o candidato da oposição, essa atmosfera de quase fraude eleitoral instituída nas entrelinhas ou nas linhas mesmas da imprensa seria motivo de condenação e repulsa em países desenvolvidos, em terras de gente menos avassalada, menos despreparada para ler e pensar.
Mas ler jornal, assistir ao noticiário da TV, ao "Jornal Nacional" e aos demais telejornais da Rede Globo, bem como ao reacionário "Jornal da Record", para citar alguns, transformou-se em momento de constrangimento e mal-estar. O "Jornal da Record" perpetrou verdadeiras sessões de "descarrego" toda vez que teceu comentários sobre a candidatura petista de Lula.
A TV Record, dos mesmos donos da igreja Universal do Reino de Deus, transmite uma aberração chamada "sessão de descarrego" do demônio que se apoderaria do corpo de seus "fiéis". Coisa de assustar criancinha e fazer adultos gargalharem para não chorar de indignação.
Pois o "Jornal da Record" segue pela mesma linha tirânico-exploradora, aproveitando-se do poder teológico-político do canal para insuflar ainda mais medo supersticioso no telespectador ignorante. Devia ter por "âncora" o bispo Edir Macedo, dono da empresa. Daria na mesma.
Nos jornais, as fotos de José Serra apareceram com muito mais frequência do que as de Lula, escolhidas a dedo (na tentativa de disfarçar a falta de carisma do peessedebista) e ocupando as páginas e os lugares nobres (as páginas ímpares e o alto das mesmas, leitor leigo).
A capa da última edição da revista "Veja" é de um cabotinismo e de um mau gosto burro na tentativa de demonização do PT (caricatura de um demônio com cabeça de Karl Marx). A revista "Época", prima pobre e de personalidade mais fraca, segue no rastro, imitando-lhe o tom marrom.
A criação de factóides nunca foi tão farta -induziu mesmo a erros grosseiros (ou de pura má-fé) de reportagens que obrigaram órgãos de imprensa a se retratarem. O factóide da semana foi a "repercussão" (fabricada pela mídia) do aparecimento de Regina Duarte na propaganda de Serra. A coisa se dividiu entre os sujeitos que foram a público defender a atriz e os não-sujeitos impedidos por censura de criticar a dondoca da Rede Globo e sua adesão ao clima de contra-comunicação e terror imposto ao telespectador novelesco. Ninguém questionou a aparição de gente de mídia nas campanhas, ninguém se perguntou quanto eles ganham para participar da festa promíscua -Gugu Liberato ganhou do governo FHC todo um canal de TV, coisa ilegal e imoral. Ninguém ousou comparar ou lembrar a síndrome de Marília Pera na campanha pró-Fernando Collor.
Para não falar de como as redes de TV se apossam, presunçosas, das "entrevistas" com os candidatos e dos "debates" entre eles, como se o poder, na verdade, estivesse com elas. Fosse quem fosse o candidato da oposição, essa atitude golpista da imprensa brasileira merecia boicote de leitores e telespectadores.
"Onde? Quem? Quando? O quê? Como? Por quê? Essas questões que, supõe-se, deveriam estruturar toda informação, não são nunca colocadas, porém, quando se trata de informar... sobre a própria informação", aponta o francês Serge Halimi ("Les Nouveaux Chiens de Garde", ed. Liber-Raisons D'Agir). É só silêncio e cinismo. Melhor fazer coluna social na imprensa da província.

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