São Paulo, terça-feira, 22 de outubro de 2002

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POLÍCIA FORA DA LEI

Justiça de São Paulo manda apurar suposto furto de duas submetralhadoras e um fuzil utilizados pelo Gradi

PM é investigada por sumiço de armas

ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

O serviço de inteligência da Polícia Militar de São Paulo é investigado pelo sumiço de duas submetralhadoras e um fuzil que estavam "emprestados" pela Justiça ao Gradi -a unidade de elite que infiltrou presos irregularmente em quadrilhas, investigada por tortura e homicídios.
As três armas sumiram no mesmo dia em que o tenente-coronel Roberto Mantovan, ex-coordenador do Gradi (Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância), recebeu intimação de um oficial de Justiça, pela segunda vez, para que entregasse o armamento à Justiça.
O desaparecimento das armas levou a juíza-corregedora do Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais) da capital, Ivana David Boriero, 40, a pedir, no início do mês, a abertura de investigação na Polícia Civil.
No último dia 2, o tenente Henguel Ricardo Pereira, 31, e o sargento Rodney Carmona, 40, dois ex-integrantes do Gradi, registraram no 13º DP (Casa Verde), por volta das 14h30, um boletim de ocorrência de furto de duas submetralhadoras -uma da marca Ingran calibre 9 mm e outra Cobray 9 mm.
Conforme o registro em BO, os policiais relataram que as armas foram levadas por desconhecidos que abriram as portas do veículo Ipanema, placa "fria" CJS 9078, do serviço reservado da Polícia Militar, na rua Reims, em frente ao número 567, zona norte da capital paulista. O carro ficou estacionado ali, por 15 minutos, desde as 13h20.
À noite, perto das 20h, os mesmos PMs retornaram ao 13º DP para fazer um outro BO, complementando o primeiro. Eles informaram ter percebido mais tarde que o fuzil Ruger calibre 223 também havia sido levado.
A rua onde ocorreu o furto tem intenso trânsito de veículos. De acordo com o banco de dados criminais da Secretaria da Segurança Pública, houve apenas um furto em interior de carros na rua Reims desde o ano passado: o que foi relatado pelos PMs do serviço reservado.
Os dois ex-PMs do Gradi, apesar das ações sob suspeita executadas pela extinta unidade, ainda continuaram no serviço de inteligência da PM, trabalhando sem farda. Ontem, a corporação informou que os dois estão fora das ruas, em atividades administrativas. A data em que foram transferidos não foi revelada.
A unidade, que oficialmente deixou de existir em abril deste ano, após sucessivas acusações, foi o principal braço de inteligência da PM contra o crime organizado entre julho de 2001 e março de 2002.
Em cinco ações, entre elas a operação da rodovia Castelinho (Sorocaba) contra integrantes do PCC, o Gradi acumulou 22 mortes e sete prisões, saldo que, dentro do Judiciário paulista, valeu ao setor uma comparação com o temido "esquadrão da morte" dos anos 70 -grupo de policiais que assassinava supostos criminosos.
No total, o Gradi usou 51 armas "emprestadas" pela Justiça desde sua criação, em 2000. Em julho deste ano, depois de a Folha revelar que o grupo usava ilegalmente presos em operações, o Tribunal de Justiça assumiu as investigações do caso e o Dipo requisitou a devolução de todas as armas.
A apuração acabou centralizada no TJ por causa do envolvimento de dois juízes -Octávio Augusto Machado de Barros Filho (Corregedoria dos Presídios) e Maurício Lemos Porto Alves (corregedor do Dipo)- e do secretário da Segurança Pública do Estado, Saulo de Castro Abreu Filho, todos incluídos pela Procuradoria Geral de Justiça em um pedido de abertura de investigação.
Em 17 de setembro, na resposta ao primeiro pedido de devolução de armas, o tenente-coronel Mantovan disse que deixava de enviar duas submetralhadoras por estarem cedidas para instrução.
Em recontagem, o Dipo percebeu que faltava ainda uma terceira arma: o fuzil Ruger. Em seguida, a juíza-corregedora do Dipo enviou uma nova intimação ao ex-coordenador do Gradi, dando prazo de cinco dias para que ele entregasse as três armas. Recebeu como resposta cópia dos dois boletins de ocorrência de furto.

BO suspeito
Não é a primeira vez que a polícia investiga um registro de furto do Gradi. Em 31 de março, dois policiais da unidade registraram o furto de um veículo no 85º DP (Jardim Mirna), na capital, omitindo que dois condenados recrutados pela inteligência haviam fugido com o carro da PM.
Em depoimento a deputados estaduais, presos que atuavam como agentes da PM disseram ter recebido carros, celulares e até armas quando se infiltravam em quadrilhas investigadas.
Segundo a Folha apurou, a PM ainda não devolveu um kit de peças para metralhadora, também cedido pela Justiça.


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