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Ex-classe média, mulher chega à favela após fugir do marido
RICARDO SANGIOVANNI
DA REPORTAGEM LOCAL
Ruas sem asfalto, com canais
de esgoto a céu aberto onde
crianças costumam brincar,
substituem, pouco a pouco, o
que antes eram as franjas da
floresta da Cantareira, na Brasilândia (extremo norte de São
Paulo). Invadido há 14 anos, o
loteamento de 201 mil m2 (área
de 18 campos de futebol) ainda
é irregular, mas, desde então,
ganhou mais de 1.300 casas e o
nome de Jardim Paraná.
"É aqui que a gente se esconde", diz a aposentada Filomena
Inácio da Silva, 68, de Muriaé
(MG). No sobrado 68, de tijolos
à mostra, na viela João Meira
-que só em 2007 passou a
constar no guia de ruas da capital-, ela vive há 12 anos com
mais sete pessoas. Antes de se
mudar para SP, a família nunca
tinha vivido em favela.
Ali, o correio ainda não entrega cartas e falta policiamento -o "postinho da PM", conta,
"foi retirado no ano passado".
Energia elétrica e água só vieram "de cinco anos para cá".
Não há previsão de regularização do loteamento -o valor
da indenização ao antigo dono
é negociado na Justiça. "Não
quero me mudar. Quero que as
coisas melhorem aqui."
Vistoria feita em janeiro pela
prefeitura aponta que só 196
das 1.364 construções tinham
ligação de esgoto; mesmo assim, a família de Filomena prefere a água do próprio poço artesiano. "A água da Sabesp tem
muito cloro, gosto ruim."
Filomena conta que a vida
era "mais confortável", de classe média, quando morava no
interior de Minas. Mas, há 18
anos, ela resolveu vir para a capital de SP com dois filhos e um
genro adolescentes, após se separar do marido, que a agredia
e boicotava seu trabalho.
Antes de morar na favela,
alugou por dois anos uma casa
na av. Parada Pinto, bairro de
classe baixa do extremo norte.
Mas o salário de vendedora de
colchões dava "ou para comer
ou para pagar o aluguel". "Fomos despejados", lembra-se.
Mudou-se então, pela primeira
vez, para uma favela -a do
Guarani, também no extremo
norte, onde passou dois anos.
Com sacrifício, conta, pagou
R$ 600 pelo terreno invadido
no Jardim Paraná, onde foi
morar na casa ainda semiconstruída. "Era um matagal".
Livre do aluguel, "a vida melhorou" -a família hoje tem
carro, geladeira, fogão de seis
bocas e, há cinco meses, comprou uma TV de 29 polegadas.
A casa será reformada -ficou
pequena depois que a filha Vivian, 33, teve seus cinco filhos.
E a família deve crescer: em julho, Vivian casou-se novamente -e quer ter mais um filho.
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