São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 2008

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Ex-classe média, mulher chega à favela após fugir do marido

RICARDO SANGIOVANNI
DA REPORTAGEM LOCAL

Ruas sem asfalto, com canais de esgoto a céu aberto onde crianças costumam brincar, substituem, pouco a pouco, o que antes eram as franjas da floresta da Cantareira, na Brasilândia (extremo norte de São Paulo). Invadido há 14 anos, o loteamento de 201 mil m2 (área de 18 campos de futebol) ainda é irregular, mas, desde então, ganhou mais de 1.300 casas e o nome de Jardim Paraná.
"É aqui que a gente se esconde", diz a aposentada Filomena Inácio da Silva, 68, de Muriaé (MG). No sobrado 68, de tijolos à mostra, na viela João Meira -que só em 2007 passou a constar no guia de ruas da capital-, ela vive há 12 anos com mais sete pessoas. Antes de se mudar para SP, a família nunca tinha vivido em favela.
Ali, o correio ainda não entrega cartas e falta policiamento -o "postinho da PM", conta, "foi retirado no ano passado". Energia elétrica e água só vieram "de cinco anos para cá".
Não há previsão de regularização do loteamento -o valor da indenização ao antigo dono é negociado na Justiça. "Não quero me mudar. Quero que as coisas melhorem aqui."
Vistoria feita em janeiro pela prefeitura aponta que só 196 das 1.364 construções tinham ligação de esgoto; mesmo assim, a família de Filomena prefere a água do próprio poço artesiano. "A água da Sabesp tem muito cloro, gosto ruim."
Filomena conta que a vida era "mais confortável", de classe média, quando morava no interior de Minas. Mas, há 18 anos, ela resolveu vir para a capital de SP com dois filhos e um genro adolescentes, após se separar do marido, que a agredia e boicotava seu trabalho.
Antes de morar na favela, alugou por dois anos uma casa na av. Parada Pinto, bairro de classe baixa do extremo norte. Mas o salário de vendedora de colchões dava "ou para comer ou para pagar o aluguel". "Fomos despejados", lembra-se. Mudou-se então, pela primeira vez, para uma favela -a do Guarani, também no extremo norte, onde passou dois anos.
Com sacrifício, conta, pagou R$ 600 pelo terreno invadido no Jardim Paraná, onde foi morar na casa ainda semiconstruída. "Era um matagal".
Livre do aluguel, "a vida melhorou" -a família hoje tem carro, geladeira, fogão de seis bocas e, há cinco meses, comprou uma TV de 29 polegadas. A casa será reformada -ficou pequena depois que a filha Vivian, 33, teve seus cinco filhos. E a família deve crescer: em julho, Vivian casou-se novamente -e quer ter mais um filho.


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