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Para médicos, Marcela,1, é mesmo anencéfala
De 9 profissionais consultados, apenas um discorda
JULIANA COISSI
DA FOLHA RIBEIRÃO
Marcela de Jesus, o bebê de
Patrocínio Paulista que completou um ano anteontem, é
mesmo anencéfala. É o que dizem oito de nove médicos de
diversas especialidades ouvidos pela Folha após terem
acesso ao laudo e às imagens da
ressonância magnética feita na
menina na semana passada.
É a primeira vez que médicos
opinam sobre o caso tendo em
mãos as imagens do exame.
Marcela foi submetida a uma
primeira ressonância aos quatro meses, mas as imagens não
tinham muita clareza porque
ela se mexeu durante o exame.
A anencefalia, diagnosticada
durante a gestação, serve de
base para que a Justiça autorize a "interrupção da gestação"
-a palavra aborto, em si, é evitada, porque o Código Penal
em vigor só o autoriza em casos
de estupro ou risco de vida à
mãe. A mãe de Marcela, Cacilda Galante Ferreira, se recusou
a interromper a gestação.
Os médicos afirmam que
Marcela tem um tipo de anencefalia rara. Não possui hemisfério cerebral, mas tem tronco
encefálico, uma estrutura que
lhe permite funções vitais: respiração, batimento cardíaco e
até reflexos auditivos.
O exame mostra que Marcela
tem medula, ponte e pequena
porção do mesencéfalo, de
"formato irregular e alterado".
"A partir deste nível cranialmente, não mais se observa parênquima encefálico", diz o relatório, assinado pelo radiologista João Soares Leite Filho.
Jorge Andalaft Neto, presidente da Comissão de Violência Sexual e Interrupção da
Gestação Prevista em Lei da
Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, disse que
o caso é muito raro. "Acho que
há pouquíssimos casos assim
no mundo. É difícil ver em
anencéfalos parte do mesencéfalo formado. Parece que ele
começou a se formar e parou."
A anencefalia clássica, disse
ele, é quando o bebê não tem
qualquer vestígio de massa cerebral (calota craniana, encéfalo ou mesencéfalo).
Para o neurologista José
Luiz Gherpelli, chefe do departamento de neurologia da Sociedade Brasileira de Pediatria,
Marcela não tem a estrutura
dos hemisférios cerebrais adequadamente formados. O caso,
porém, não é de anencefalia típica porque ela não tem a parte
superior da cabeça totalmente
aberta -ela tem uma espécie
de bolha no lugar do cérebro.
Para João Pereira Leite, professor de neurologia da USP, a
menina é anencéfala. "Do ponto de vista neurológico, é. Tem
algumas estruturas do tronco
encefálico que permitem que
funções vegetativas sejam razoavelmente mantidas."
Thomaz Gollop, professor livre-docente pela USP, diz que a
menina "tem massa cerebral,
mas não há nada organizado. É
vegetativa. Sobrevive com total
ausência de qualidade de vida".
Ricardo Barini, coordenador
do Programa de Medicina Fetal e Imunologia da Reprodução da Unicamp, discorda. A
presença de uma porção do
mesencéfalo mostra, diz ele,
que ela tem parte do cérebro, o
que descarta a anencefalia.
"A anencefalia é um defeito
de fechamento do sistema nervoso central. Nesse defeito,
existe uma exposição de todo o
sistema nervoso para o líquido
amniótico e, com isso, ocorre
uma destruição massiva do sistema nervoso", disse Barini.
Para ele, trate-se de um caso
de encefalocele (defeito de formação da parte óssea da cabeça) ou de meracrania (defeito
no fechamento na parte mais
alta da cabeça).
Os médicos não arriscam dizer quanto tempo ela viverá.
Anencéfalos em geral morrem
pouco tempo após nascer.
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