São Paulo, quinta-feira, 22 de novembro de 2007

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Para médicos, Marcela,1, é mesmo anencéfala

De 9 profissionais consultados, apenas um discorda

JULIANA COISSI
DA FOLHA RIBEIRÃO

Marcela de Jesus, o bebê de Patrocínio Paulista que completou um ano anteontem, é mesmo anencéfala. É o que dizem oito de nove médicos de diversas especialidades ouvidos pela Folha após terem acesso ao laudo e às imagens da ressonância magnética feita na menina na semana passada.
É a primeira vez que médicos opinam sobre o caso tendo em mãos as imagens do exame. Marcela foi submetida a uma primeira ressonância aos quatro meses, mas as imagens não tinham muita clareza porque ela se mexeu durante o exame.
A anencefalia, diagnosticada durante a gestação, serve de base para que a Justiça autorize a "interrupção da gestação" -a palavra aborto, em si, é evitada, porque o Código Penal em vigor só o autoriza em casos de estupro ou risco de vida à mãe. A mãe de Marcela, Cacilda Galante Ferreira, se recusou a interromper a gestação.
Os médicos afirmam que Marcela tem um tipo de anencefalia rara. Não possui hemisfério cerebral, mas tem tronco encefálico, uma estrutura que lhe permite funções vitais: respiração, batimento cardíaco e até reflexos auditivos.
O exame mostra que Marcela tem medula, ponte e pequena porção do mesencéfalo, de "formato irregular e alterado". "A partir deste nível cranialmente, não mais se observa parênquima encefálico", diz o relatório, assinado pelo radiologista João Soares Leite Filho.
Jorge Andalaft Neto, presidente da Comissão de Violência Sexual e Interrupção da Gestação Prevista em Lei da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, disse que o caso é muito raro. "Acho que há pouquíssimos casos assim no mundo. É difícil ver em anencéfalos parte do mesencéfalo formado. Parece que ele começou a se formar e parou."
A anencefalia clássica, disse ele, é quando o bebê não tem qualquer vestígio de massa cerebral (calota craniana, encéfalo ou mesencéfalo).
Para o neurologista José Luiz Gherpelli, chefe do departamento de neurologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, Marcela não tem a estrutura dos hemisférios cerebrais adequadamente formados. O caso, porém, não é de anencefalia típica porque ela não tem a parte superior da cabeça totalmente aberta -ela tem uma espécie de bolha no lugar do cérebro.
Para João Pereira Leite, professor de neurologia da USP, a menina é anencéfala. "Do ponto de vista neurológico, é. Tem algumas estruturas do tronco encefálico que permitem que funções vegetativas sejam razoavelmente mantidas."
Thomaz Gollop, professor livre-docente pela USP, diz que a menina "tem massa cerebral, mas não há nada organizado. É vegetativa. Sobrevive com total ausência de qualidade de vida".
Ricardo Barini, coordenador do Programa de Medicina Fetal e Imunologia da Reprodução da Unicamp, discorda. A presença de uma porção do mesencéfalo mostra, diz ele, que ela tem parte do cérebro, o que descarta a anencefalia.
"A anencefalia é um defeito de fechamento do sistema nervoso central. Nesse defeito, existe uma exposição de todo o sistema nervoso para o líquido amniótico e, com isso, ocorre uma destruição massiva do sistema nervoso", disse Barini.
Para ele, trate-se de um caso de encefalocele (defeito de formação da parte óssea da cabeça) ou de meracrania (defeito no fechamento na parte mais alta da cabeça).
Os médicos não arriscam dizer quanto tempo ela viverá. Anencéfalos em geral morrem pouco tempo após nascer.


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