São Paulo, terça-feira, 22 de dezembro de 2009

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Sítio arqueológico em Pinheiros para obra e irrita prefeitura

Empresa Municipal de Urbanização "esconde" da imprensa objetos de quase dois séculos e mostra só os dos anos 50

Ao apresentar objeto "novo", prefeitura desqualifica sítio arqueológico; Kassab tem pressa para inaugurar obras do novo largo da Batata

RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL

A Prefeitura de São Paulo e o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que é ligado ao governo federal, entraram em guerra por causa de um sítio arqueológico descoberto nas obras de revitalização do largo da Batata, em Pinheiros, zona oeste da capital.
A prefeitura convocou ontem jornalistas para mostrar que os objetos encontrados no local não passavam de pedaços de ossos, ferraduras e utensílios domésticos datados dos anos 1950, escurecidos e desfigurados pelo tempo e de valor histórico praticamente nulo.
A Folha procurou os arqueólogos responsáveis pelas escavações e ouviu que, na realidade, haviam encontrado outros objetos muito mais antigos que os selecionados pela prefeitura.
O subsolo do largo da Batata, segundo eles, guarda pratos de cerâmica, garrafas de vinho, cerveja e uísque, copos, frascos de perfume e pedras de acender lamparina, entre outros objetos. Escondidos a cerca de um metro da superfície, foram fabricados quase 200 anos atrás -portanto de imenso valor histórico.
A prefeitura tenta desqualificar os objetos porque parte das obras de revitalização do largo da Batata está paralisada justamente por causa do sítio arqueológico. Em novembro, o Iphan recebeu denúncia de que no local havia material histórico e determinou que os trabalhos ficassem suspensos até que toda a área fosse analisada.
Os arqueólogos dizem que até o momento escavaram apenas um terço do terreno onde será construída uma praça, o que ameaça os planos do prefeito Gilberto Kassab (DEM) de ter a primeira parte do novo largo da Batata inaugurada em julho de 2010. Segundo os arqueólogos, a escavação pode se estender até o fim do ano.
As obras incluem ainda a construção de um terminal rodoviário e a abertura de novas ruas. A promessa de acabar com a degradação da área atiçou a especulação imobiliária, e praticamente todos os terrenos vizinhos já foram comprados.
"Eles [a prefeitura] estão preocupados, não estão sabendo lidar com o embargo [imposto pelo Iphan]", disse o arqueólogo Plácido Cali, da empresa contratada para escavar o terreno e analisar o material.
Quem apresentou os objetos ontem em nome da prefeitura foi o diretor de obras da Emurb (Empresa Municipal de Urbanização), Edward Zeppo Boretto: "São dos anos 50". "Não têm valor porque na época a fotografia já existia", acrescentou um assessor da Emurb.

Taberna
Cali discorda da prefeitura: "O achado é relevante porque as informações históricas disponíveis sobre essa região naquela época são escassas".
Pela primeira análise do material coletado, o arqueólogo diz que aquela região de Pinheiros tinha casas e uma taberna na primeira metade do século 19. "Por causa da qualidade das louças, sabemos que não eram famílias abastadas", explica.
Os arqueólogos têm a expectativa de encontrar vestígios de um aldeamento erguido em Pinheiros pelos jesuítas em meados do século 16. "Muitos consideram esse o primeiro bairro da cidade", diz Cali.
Boretto, da Emurb, reclamou ontem do rigor do Iphan: "O metrô fez obras aqui do lado e não se encontrou nada [histórico]. Já solicitei ao Iphan a lista dos sítios arqueológicos de São Paulo, para não termos problema de novo".
A Folha não conseguiu falar com o funcionário do Iphan que cuida desse processo. Não há previsão para que a obra seja completamente liberada.


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