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QUEBRA DE SIGILO
Sociedade de cardiologia defende que jovens com infarto passem por exame ao dar entrada em pronto-socorro
Médicos querem teste de cocaína obrigatório
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Jovens com infarto, angina (dor
no peito) e arritmia cardíaca devem ser submetidos a testes toxicológicos ao dar entrada nos serviços de emergência porque o uso
de certos medicamentos, associados à cocaína, pode piorar o quadro de saúde.
A recomendação -em situações em que a pessoa negue o uso
da droga- é da SBC (Sociedade
Brasileira de Cardiologia) e está
sendo analisada pela câmara técnica da comissão de bioética do
Cremesp (Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo). O teste é polêmico porque,
sem permissão, fere o direito do
indivíduo à intimidade, à vida privada e à imagem, previsto na
Constituição Federal.
A justificativa para a testagem
toxicológica é o crescente aumento do número de eventos cardíacos antes dos 40 anos, período da
vida em que esse tipo de ocorrência -excluídos os fatores hereditários e os traumas- é raro. Nos
EUA, 25% das anginas em jovens
estão associadas ao uso da cocaína. Desses, 6% infartam.
No Brasil, não há estatísticas sobre o fenômeno. Dez cardiologistas ouvidos pela Folha relatam
pelo menos 50 casos de infartos
envolvendo jovens. O mais gritante deles é de um adolescente de
14 anos, de Uberlândia (MG), que,
no ano passado, infartou após
consumir cocaína.
Na falta de números sobre infarto juvenis, as estatísticas sobre
consumo de cocaína entre jovens
são sempre citadas pelos médicos
para legitimar a preocupação: 2%
dos estudantes de dez capitais
brasileiras já usaram cocaína pelo
menos uma vez na vida, segundo
levantamento do Cebrid (Centro
Brasileiro de Informações sobre
Drogas Psicotrópicas).
A cocaína diminui a contractilidade do músculo cardíaco, reduz
o calibre das artérias coronárias e
o fluxo sangüíneo no seu interior
e aumenta a freqüência cardíaca e
a pressão arterial. Esses efeitos
acabam por provocar um desarranjo entre o suprimento de oxigênio ao coração e o consumo aumentado, causando o infarto.
"O teste toxicológico deve fazer
parte do arsenal de diagnóstico
em todos os casos de jovens que
dêem entrada em um PS com dor
no peito", afirma o cardiologista
Almir Sérgio Ferraz, um dos diretores do Funcor (fundação do coração) da SBC.
Os cardiologistas Sergio Timmerman, do Incor (Instituto do
Coração), do Hospital das Clínicas de São Paulo, e Rui Fernando
Ramos, chefe da unidade coronária do Instituto Dante Pazzanese
(SP), também defendem os testes
toxicológicos. "O jovem não está
nas estatísticas de infarto. Quando entra, tem que pesquisar", defende Timmerman.
Para eles, os testes são necessários porque os jovem tendem a
negar o uso da droga. Estudos
norte-americanos mostram que a
pesquisa laboratorial da cocaína
em pacientes admitidos nos serviços de emergência identifica sete
vezes mais usuários do que a informação espontânea.
Porém, Antonio Mansur, diretor da unidade clínica de emergência do Incor, é contra o uso
desses testes ou de qualquer outro
instrumento de "pressão" com o
intuito de saber se a pessoa é ou
não usuária de droga. "É um
grande erro, pode gerar preconceito." Ele diz que hoje, no questionário médico, a condição de toxicômano entra como uma "informação a mais, da mesma forma que entra o tabagismo e o colesterol alto".
A cocaína pode ser detectada no
sangue até dois dias após seu uso,
dependendo da freqüência do uso
e da quantidade ingerida. Na urina, a droga permanece em média
três dias e, no cabelo, pode ficar
por três meses.
A preocupação da sociedade reside no fato de que a grande maioria dos jovens nega o consumo da
droga. Sem a confirmação, serviços de emergência desavisados
podem administrar drogas usadas no tratamento habitual do infarto, como os betabloqueadores.
"A cocaína causa uma tempestade elétrica no coração. A associação com os betabloqueadores,
pode piorar o quadro de espasmo
coronário", explica Ferraz.
O risco de ocorrer um infarto é
24 vezes mais elevado após 60 minutos do consumo da cocaína,
mesmo em indivíduos com baixo
risco cardiovascular.
Mas, de acordo com Rui Ramos,
ainda não é possível estabelecer a
relação do infarto com a quantidade da droga -já foram descritos eventos com doses que variam
de 200 a 2.000 mg-, via de administração ou freqüência do uso
-usuários regulares ou fortuitos.
Roleta-russa
Para Ferraz, duas situações
agravam os riscos cardíacos: o uso
crônico da droga e a associação da
cocaína com o álcool. Essa última
cria uma terceira molécula chamada cocaetileno, que potencializa os efeitos da droga nos sistemas
cardiovascular e nervoso central.
"Usar cocaína uma vez é como
jogar roleta-russa, mas o uso continuado aumento o risco, é como
adicionar uma segunda bala no
tambor da arma", disse à Folha o
médico Arthur Siegel, chefe de
medicina interna do Hospital Mc
Lean, da Universidade Harvard,
em Cambridge, EUA, autor de vários estudos sobre a relação da cocaína com o infarto.
Segundo ele, há vários estudos
demonstrando a importância do
médico saber se o paciente é usuário de cocaína. "Isso pode ter impacto no tratamento." Ele também relata estudos demonstrando que os médicos não costumam
questionar seus pacientes sobre o
uso da droga e, quando o fazem, é
comum os pacientes negarem.
Na opinião de Isac Jorge Filho,
presidente do Cremesp, sob o
ponto de vista médico, os testes
são importantes porque a informação baliza o tratamento. "Mas,
sob o aspecto ético, não se pode
impor isso ao paciente."
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