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LETRAS JURÍDICAS
Nós provocamos a pizza
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Assim como o sanduíche
bauru e o "pique-pique" dos
aniversários, a expressão "vai
acabar em pizza" nasceu em São
Paulo pelo gosto paulistano de
terminar a noite de domingo ao
redor de uma pizza. A corruptela,
referente aos "rigorosos inquéritos", às agitadas "apurações" de
comissões parlamentares de inquérito que dão em nada, é devida, em parte, aos 15 minutos de
fama de autoridades viciadas em
exageros informativos na televisão. É preciso, porém, reconhecer
que outra parte da culpa é de nós
todos.
A sociedade em geral não entende os meandros do Judiciário,
nem aprecia adequadamente o
sagrado direito à inocência constitucionalmente presumida, enquanto não transitar em julgado
a sentença condenatória. A população critica, sem compreender,
as alternativas do prende-solta
dos diretores do antigo Banco Nacional e do político paraense Jader Barbalho, de quem a mídia
diz cobras e lagartos. Se for verdade a metade do que se diz de Jader, deverá ser condenado, se o
prazo em que poderia ser punido
ainda estiver em curso.
Os escândalos se ampliam
quando os meios de comunicação
social, impressos ou eletrônicos,
acolhem declarações de autoridades, sem preocupação crítica com
a substância delas ou com os fins
ocultos que as inspiraram, na
ânsia da popularidade a todo
custo. O caderno Equilíbrio, da
Folha, divulgou anteontem um
texto sobre o assédio moral. Embora em outro contexto, a expressão assédio moral retrata o mundo em que vivemos, no qual tendemos a acreditar em tudo o que
se diz de mal a respeito das pessoas e instituições, mas desconfiamos do eventual elogio que possam merecer.
Temos aí campo para o florescimento dos escândalos que terminam dando em nada. O fogo de
palha (outra expressão a considerar) cria o estardalhaço das manchetes. A chama das resinas do
boato, da informação mal levantada e não checada, faz crepitar a
madeira do assédio moral. Passa-se o tempo. A prova, que antes os
promotores e policiais diziam ser
cabal, definitiva, termina enfraquecida pelo contraditório e pelos
recursos dos acusados. Parece pizza, mas não é. É irresponsabilidade com muitas facetas.
Alguns querem restringir o direito de defesa porque este impede o equipamento oficial de punir
pronta e eficazmente os culpados.
Ora, o direito de defesa se destina
a preservar os inocentes. Se a estrutura dos serviços públicos de
apuração e punição dos delitos
não funciona, prejudicar os inocentes, impedindo-os de se defenderem, leva ao absurdo. É amputar o dedo para resolver o problema da unha encravada.
Os casos de acusações improcedentes, em que não havia "pizza",
terminam lançados na vala comum do que parece ser, mas não
é, a impunidade. O episódio Jader, com sua prisão preventiva
em desacordo com os ditames da
lei processual em vigor, como esta
Folha explicitou em editorial, parece sugerir que sua libertação foi
influência dos poderosos. Nada
mais falso. A imediata liberdade
que lhe foi concedida impediu o
abuso de autoridade e a presepada que se armara. Ninguém é inocente a ponto de ignorar os abusos que existem. Mas também deve saber que o grave mal de jogar
tudo na bacia da apuração malfeita, corrompida ou incompetente abre ensejo para a atividade
criminosa não punida. Acolhendo esse caminho, nós todos acabamos gerando a "pizza".
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