São Paulo, sábado, 23 de fevereiro de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

Nós provocamos a pizza

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Assim como o sanduíche bauru e o "pique-pique" dos aniversários, a expressão "vai acabar em pizza" nasceu em São Paulo pelo gosto paulistano de terminar a noite de domingo ao redor de uma pizza. A corruptela, referente aos "rigorosos inquéritos", às agitadas "apurações" de comissões parlamentares de inquérito que dão em nada, é devida, em parte, aos 15 minutos de fama de autoridades viciadas em exageros informativos na televisão. É preciso, porém, reconhecer que outra parte da culpa é de nós todos.
A sociedade em geral não entende os meandros do Judiciário, nem aprecia adequadamente o sagrado direito à inocência constitucionalmente presumida, enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória. A população critica, sem compreender, as alternativas do prende-solta dos diretores do antigo Banco Nacional e do político paraense Jader Barbalho, de quem a mídia diz cobras e lagartos. Se for verdade a metade do que se diz de Jader, deverá ser condenado, se o prazo em que poderia ser punido ainda estiver em curso.
Os escândalos se ampliam quando os meios de comunicação social, impressos ou eletrônicos, acolhem declarações de autoridades, sem preocupação crítica com a substância delas ou com os fins ocultos que as inspiraram, na ânsia da popularidade a todo custo. O caderno Equilíbrio, da Folha, divulgou anteontem um texto sobre o assédio moral. Embora em outro contexto, a expressão assédio moral retrata o mundo em que vivemos, no qual tendemos a acreditar em tudo o que se diz de mal a respeito das pessoas e instituições, mas desconfiamos do eventual elogio que possam merecer.
Temos aí campo para o florescimento dos escândalos que terminam dando em nada. O fogo de palha (outra expressão a considerar) cria o estardalhaço das manchetes. A chama das resinas do boato, da informação mal levantada e não checada, faz crepitar a madeira do assédio moral. Passa-se o tempo. A prova, que antes os promotores e policiais diziam ser cabal, definitiva, termina enfraquecida pelo contraditório e pelos recursos dos acusados. Parece pizza, mas não é. É irresponsabilidade com muitas facetas.
Alguns querem restringir o direito de defesa porque este impede o equipamento oficial de punir pronta e eficazmente os culpados. Ora, o direito de defesa se destina a preservar os inocentes. Se a estrutura dos serviços públicos de apuração e punição dos delitos não funciona, prejudicar os inocentes, impedindo-os de se defenderem, leva ao absurdo. É amputar o dedo para resolver o problema da unha encravada.
Os casos de acusações improcedentes, em que não havia "pizza", terminam lançados na vala comum do que parece ser, mas não é, a impunidade. O episódio Jader, com sua prisão preventiva em desacordo com os ditames da lei processual em vigor, como esta Folha explicitou em editorial, parece sugerir que sua libertação foi influência dos poderosos. Nada mais falso. A imediata liberdade que lhe foi concedida impediu o abuso de autoridade e a presepada que se armara. Ninguém é inocente a ponto de ignorar os abusos que existem. Mas também deve saber que o grave mal de jogar tudo na bacia da apuração malfeita, corrompida ou incompetente abre ensejo para a atividade criminosa não punida. Acolhendo esse caminho, nós todos acabamos gerando a "pizza".



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